quarta-feira, 26 de março de 2008

BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade. p. 53-133.

BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 53-133.
Estrutura: III. Estado, poder e governo. 1. Para o estudo do Estado. 2. O nome e a coisa. 3. O Estado e o poder. 4. O fundamento do poder. 5. Estado e direito. 6. As formas de governo. 7. As formas de Estado. 8. O fim do Estado.
Resumo:

As duas fontes principais para o estudo do Estado, a história das instituições e a das doutrinas políticas, não se confundem. Principalmente pela dificuldade de acesso às fontes, a primeira se desenvolve da segunda mas depois se emancipa. O desenvolvimento e a estrutura do Estado são estudadas pela filosofia e pela ciência política. As três características da filosofia e o que as diferencia das da ciência política: valor, justificativa e impossibilidade de falsificação.

Além dos campos da filosofia e da ciência política, existe a distinção pelos pontos de vista jurídico e sociológico. Durante muito tempo, o Estado foi objeto dos juristas, mas com o surgimento recente de uma nova ciência, passou a ser estudado também pela sociologia. Jellinek e Weber sustentam que tal distinção é necessária, mas Kelsen (que reduziu o Estado a ordenamento jurídico) entende que não. Teorias meramente jurídicas do Estado foram abandonadas na transformação do Estado de direito em Estado social.

Duas teorias sociológicas do Estado: a marxista e a funcionalista. Diferenças no conceito de ciência, no método e principalmente na colocação do Estado no sistema social. O autor explica cada uma delas e as diferenças no tema: ruptura da ordem ou a ordem, integracionalista ou conflitualista.

Ponto de vista sistêmico: instituições políticas em relação demanda-resposta com o ambiente social. Às respostas surgem novas demandas, ou o colapso e a transformação. Perfeitamente compatível com ambas as anteriores. Esquema concebível para analisar o funcionamento das instituições políticas, seja qual for a interpretação que delas se faça.

A sociedade emancipa-se do Estado. O Estado passa a ser um mero subsistema ao sistema social. Não era assim antes, de Aristóteles a Hobbes, o Estado era a sociedade perfeita. Ponto de vista do governante vs do governado: liberdade do cidadão é o ponto principal e não o poder dos governantes. Bem estar, felicidade e prosperidade do cidadão considerados um a um, e não potência do Estado; direito de resistência a leis injustas.

A cunhagem do termo Estado, englobando república e monarquia, é um gênero recente. Mas existe um problema de sentido amplo e estrito quanto ao termo, ele serve apenas para os modernos Estados nacionais ou também para organizações mais antigas? A favor do sentido estrito, o fato dos Estados nacionais serem únicos e recentes, a favor do sentido amplo o fato de as obras clássicas ainda servem para os Estados modernos, tanto que é fonte de referência constante aos pensadores da época.

Várias teses sobre a origem do Estado como dissolução das famílias em favor de algo mais amplo para se proteger e sobreviver.

Alguns autores preferem o termo Sistema Político ao invés de Estado, devido a um sentido pejorativo que ele teria incorporado. Reduz-se agora o conceito de Estado ao de política e o de política ao de poder.

Na filosofia política o poder sob três aspectos, com três teorias fundamentais: substancialista, subjetivista e relacional. Em Hobbes, poder como um bem, inato como força ou inteligência ou adquirido, como riqueza. Em Locke, como capacidade de um sujeito, como o fogo que tem o poder de fundir o metal. Em Dahl, influência é uma relação entre atores, que induz o comportamento do outro de forma que de modo contrário não se realizaria. Ainda para Dahl, o poder de um é a negação da liberdade do outro e vice versa.

Como diferenciar o poder político de todas as outras formas que podem assumir a relação de poder? A tripartição das formas de poder em paterno, despótico e civil é um dos topos da teoria política clássica e moderna. Essa classificação, tanto a aristotélica quanto a kantiana, não permite tal diferenciação, pois são critérios não analíticos mas axiológicos, diferenciam o poder político como deveria ser e não como é.

Monopólio da força como meio de poder. Três poderes: econômico, ideológico e político. Os três são dados constantes nas teorias contemporâneas de poder.

Primado da política e da razão do Estado: independência do juízo político da moral. Segundo Hegel, o princípio da ação do Estado está na própria necessidade de existir.

A legitimidade se põe desde o período clássico, como na história de Alexandre e o pirata. Mas parece haver uma busca a partir de certo nível de cultura ou tamanho da sociedade, encontrando respostas em ficções de que a autoridade deriva ou de Deus ou do povo. Bobbio defende não duas mas 6 opções, em pares antitéticos de vontade, natureza e história. O problema se põe pois está estritamente ligado ao da obrigação política. O positivismo jurídico subverte tudo isso, dizendo que apenas o poder constituído é legítimo. Legítimo na medida que eficaz, até que a ineficácia avance a ponto de tornar provável ou previsível um outro ordenamento efetivo.

Existem 3 tipos de poder legítimo, segundo Weber: tradicional, racional-legal e carismático. São fundamentos reais, não presumidos ou declarados, observados de relações estáveis e contínuas de comando e obediência. Segundo Niklas Luhmann, a legitimidade em sociedades modernas não está em valores, mas em procedimentos específicos, como eleições, processo legislativo e processo judiciário, prestações do próprio sistema.

Juristas e escritores do direito público entendem como elementos do Estado o povo, o território e a soberania. Além da validade pessoal e espacial, Kelsen coloca a temporal e a material. Nesta última, duas variantes: ou a matéria pode ser absurda de ser regulada ou a matéria pode estar protegida pela Constituição.

É melhor o governo das leis ou dos homens? Das leis, pois desprovidas de paixão e racionais. Mas as leis não são feitas por homens? Sim, mas nem todas, pois ainda existiam as leis naturais, a de Deus e a da razão. Mesmo quando esgotadas essas opções, ainda podia se apelar para algo como o mito do grande legislador, um sábio que nada tem em comum com a autoridade humana.

Três limites para o poder do Rei: leis naturais e divinas, leis fundamentais e a esfera do privado. Limitação do rei pela presença dos corpos intermediários: clero, nobreza, cidades. Só posteriormente, surgiu a teoria e a prática da separação dos poderes. Recentemente, a terceira e última limitação, o limite material dos direitos fundamentais. Além dos vários limites internos, nenhum Estado encontra-se só. Relaciona-se por tratados com outros, podendo constituir blocos ou até formações maiores.

São formas clássicas de governo as várias combinações de monarquia, aristocracia e democracia, segundo os mais diversos autores. Kelsen considera apenas a autocracia e a democracia, pelo critério da participação na produção do ordenamento jurídico. Já a divisão entre monarquia e república perdeu sua significação no tempo. Por exemplo, não seria o Reino Unido uma diarquia, da mesma forma que os EUA, com dois partidos se alternando no poder? E que semelhança teria essa república com outras sem ou com várias opções de alternância de poder? E o que seria o presidencialismo senão uma monarquia com mandato fixo? Segundo Mosca, os melhores regimes, no sentido de aqueles com maior duração, foram não só os regimes mistos, de elementos como a democracia, monarquia e aristocracia, mas também aqueles que separavam o religioso do laico e o econômico do político.

As tipologias de formas de Estado são tão variadas que o autor considera inútil a exposição. Mas dois critérios considera principais, a histórica e a expansão sobre a sociedade. A histórica propõe a seguinte seqüência: Estado feudal, estamental, absoluto e representativo. Considera pontos importantes nessa trajetória o surgimento dos direitos naturais, que vai não apenas se contrapor ao poder do Estado como será protegido por ele; a evolução dos partidos, que se formam fora do aparelho estatal, sendo personagem no lugar dos indivíduos e o compromisso entre as partes e não a decisão da maioria, evitando o padrão onde quando um grupo ganha outro perde.

Sobre a expansão do Estado sobre a sociedade, traça novamente os vetores do poder político, econômico e ideológico, sendo também considerados neste último o religioso e o doutrinal. Um Estado intervencionista avança sobre o poder econômico, o confessional sobre o religioso, o totalitário sobre ambos. O Estado liberal ou de direito utiliza-se do monopólio da força para assegurar a livre circulação de idéias e mercadorias.

Marcos Katsumi Kay – N1

quarta-feira, 19 de março de 2008

SCHWARTZENBERG, Roger-Gerard. Sociologia Política. p. 11-55.

SCHWARTZENBERG, Roger-Gerard. Sociologia Política. São Paulo: Difel, 1979, p. 11-55.
Estrutura: 1. História da Sociologia Política. 1.1. Antes do século XIX. 1.2. Desde o século XIX. 1.3. No século XX. 2. Sociologia Política Atual. 2.1. Teoria. 2.2. Crítica. 2.3. Ação. 2.4. Conhecimento.
Resumo:

Descreve-se a sociologia política como a mais velha das ciências sociais e paradoxalmente a mais nova. Explica-se: o assunto já era abordado desde Aristóteles, passando por Maquiavel e Montesquieu, com objeto, método e leis mais ou menos que definidos, no século XIX é absorvida pela recém-nascida sociologia para, mais tarde, ganhar uma certa autonomia em relação à esta, assunto que retomarei ao final.

A sociologia tem como fundadores Tocqueville, Marx e Comte. Basicamente buscava estudar os fenômenos sociais (e aqui também se inclui a sociologia política) utilizando-se de métodos das ciências naturais: fenômenos sociais como coisas dadas e observáveis, combinação de estatística e descrição monográfica, influência dos conceitos da biologia etc. O estudo focava-se mais no que era, e não o que deveria ser, sendo este último relegado à filosofia política. Pela forte influência cartesiana nas ciências naturais enfatizada pela obra O Discurso do Método, assumia-se que se devia primeiro acumular fatos para só depois, e muito cautelosamente, arriscar-se em teorias.

Muitas controvérsias se seguiram no decorrer da história até a sociologia atual. Foi-se criticado o excessivo apego à acumulação de fatos e cautela em se elaborar teorias. Foi-se taxada a sociologia política de conservadora, interessada ou inconscientemente conformada com o status quo, foi-se questionada a conveniência e a possibilidade de se manter como uma ciência neutra, ou interessada apenas em estudar o seu objeto como ela é sem se preocupar em melhorar a sociedade. Foi-se exigida uma sociologia política mais aplicada. Enfim, períodos engajados se sucederam a outros de desengajamento e desinteresse.

O ponto mais relevante que consigo extrair de todo esse contexto está na situação atual do conhecimento na sociologia política. Ela passou da unidade para a pluralidade e desta para a interdisciplinaridade. Sobre a interdisciplinaridade, diz o autor (p. 49-50) que “[...] de uns vinte anos para cá, muitas análises essenciais [...] foram [...] obra de pesquisadores alheios aos departamentos de ciência política”. Economistas, sociólogos e filósofos políticos. E continua mais a diante: “[...] tudo o que a ciência política foi buscar [...] a disciplinas vizinhas [...] põe o problema de sua autonomia e da sua especificidade [...] o que aumenta a dificuldade de se delimitar o seu campo exato”.

Finalizando o texto fala-se das duas concepções de sociologia política quanto ao seu objeto, uma mais estrita defendida principalmente por juristas e outra mais ampla e mais em voga: sociologia política como ciência o Estado (com E maiúsculo, podendo se estender a polis e a órgãos pré-estatais) e socióloga política como ciência do poder (qualquer poder, até dentro das empresas, seções, partidos, sindicatos e escolas).

Fico pensando se tal abordagem tão ampla seria interessante a um estudante de direito, preocupado tão somente com as delimitações entre o público e o privado. Mas como o assunto ciência política era estudado em locais como a França precipuamente por juristas e a área de conhecimento citada tendeu recentemente a uma abordagem interdisciplinar, não parece totalmente estranho que enveredemo-nos na área de sociologia.

Marcos Katsumi Kay