quarta-feira, 28 de maio de 2008

BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 135-165.

BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 135-165.
Estrutura: IV. Democracia e ditadura. 1. A democracia na teoria das formas de governo. 2. O uso descritivo. 3. O uso prescritivo. 4. O uso histórico. 5. A democracia dos modernos. 6. Democracia representativa e democracia direta. 7. Democracia política e democracia social. 8. Democracia formal e democracia substancial. 9. A ditadura dos antigos. 10. A ditadura moderna. 11. A ditadura revolucionária.
Resumo:

1. A democracia na teoria das formas de governo. O conceito de democracia pertence a um sistema de conceitos, que constitui a teoria das formas de governo, ele não pode ser compreendido em sua natureza específica senão em relação aos demais conceitos do sistema. Considerar o conceito de democracia como parte de um sistema mais amplo de conceitos permite dividir o tratamento seguindo os diversos usos.

2. O uso descritivo. Em seu uso descritivo ou sistemático, uma teoria das formas de governo resolve-se na classificação e portanto na tipologia das formas de governo que historicamente existiram, construída à base da determinação daquilo que as une e daquilo que as diferencia numa operação não diversa da do botânico que classifica plantas ou do zoólogo que classifica animais.

3. O uso prescritivo. Em seu uso prescritivo ou axiológico, uma teoria das formas de governo comporta uma série de juízos de valor à base dos quais as várias constituições são não apenas alinhadas uma ao lado da outra mas dispostas conforme uma ordem de preferência, segundo a qual uma é julgada boa e a outra má, uma ótima e a outra péssima, uma melhor ou menos má do que a outra e assim por diante.

4. O uso histórico. Pode-se falar de uso histórico de uma teoria das formas de governo quando dela nos servimos não só para classificações, não só para recomendar, mas também para descrever os vários momentos sucessivos do desenvolvimento histórico considerado como uma passagem obrigatória de uma forma a outra. Quando o uso prescritivo e o uso histórico são ligados, como acontece com freqüência, a descrição das diversas fases históricas resolve-se numa teoria do progresso ou do regresso, conforme esteja a forma melhor, no final ou no princípio do ciclo.

5. A democracia dos modernos. Escreve Madison: "Os dois grandes elementos de diferenciação, entre uma democracia e uma república são os seguintes: em primeiro lugar, no caso desta última, há uma delegação da ação governativa a um pequeno número de cidadãos eleitos pelos outros; em segundo lugar, ela pode ampliar a sua influência sobre um maior número de cidadãos e sobre uma maior extensão territorial". Desta passagem emerge a firme opinião de que existe um nexo entre Estado representativo (ou república) e dimensão do território, e que portanto a única forma não autocrática de governo possível num grande Estado é o governo por representação.

6. Democracia representativa e democracia direta. A consolidação da democracia representativa, porém, não impediu o retomo à democracia direta. embora sob formas secundárias. Ao contrário, o ideal da democracia direta como a única verdadeira democracia jamais desapareceu, tendo sido mantido em vida por grupos políticos radicais que sempre tenderam a condenar democracia representativa não como uma inevitável adaptação do princípio da soberania popular às necessidades dos grandes Estados, mas como um condenável ou errôneo desvio da idéia originária do governo do povo, pelo povo e através do povo.

7. Democracia política e democracia social. O processo de alargamento da democracia na sociedade contemporânea não ocorre apenas através da integração da democracia representativa com a democracia direta, mas também, e sobretudo, através da extensão da democratização - entendida como instituição e exercício de procedimentos que permitem a participação dos interessados nas deliberações de um corpo coletivo. Hoje quem deseja ter um indicador do desenvolvimento democrático de um país deve considerar não mais o número de pessoas que têm direito de votar, mas o número de instâncias diversas daquelas tradicionalmente políticas nas quais se exerce o direito de voto. Não “quem vota” mas “onde se vota”.

8. Democracia formal e democracia substancial. A linguagem política moderna conhece também o significado de democracia como regime caracterizado pelos fins ou valores em direção aos quais um determinado grupo político tende e opera. O princípio destes fins ou valores, adotado para distinguir não mais apenas formalmente mas também conteudisticamente um regime democrático de um regime não democrático, é a igualdade, não a igualdade jurídica introduzida nas Constituições liberais mesmo quando estas não eram formalmente democráticas, mas a igualdade social e econômica (ao menos em parte). Assim foi introduzida a distinção entre democracia formal, que diz respeito precisamente à forma de governo, e democracia substancial, que diz respeito ao conteúdo desta forma. Pode ocorrer historicamente uma democracia formal que não consiga manter as principais promessas contidas num programa de democracia substancial e, vice-versa, uma democracia substancial que se sustente e se desenvolva através do exercício não democrático do poder.

9. A ditadura dos antigos. Tanto quanto tirania, despotismo e autocracia, também "ditadura" é um termo que nos vem da antigüidade clássica. Mas à diferença destes últimos, teve originariamente e durante séculos uma conotação positiva. A exorbitância do poder do ditador era contrabalançada pela sua temporaneidade: o ditador era nomeado apenas para a duração do dever extraordinário que lhe fora confiado, não maior do que a permanência em cargo do cônsul que o havia nomeado. O ditador era portanto um magistrado extraordinário mas legítimo pois sua instituição era prevista pela constituição e seu poder justificado pelo estado de necessidade. Em poucas palavras, as características da ditadura romana eram a) estado de necessidade com respeito à legitimação; b) plenos poderes com respeito à extensão do comando; c) unicidade do sujeito investido do comando; d) temporaneidade do cargo.

10. A ditadura moderna. Na idade moderna, na idade das grandes revoluções, o conceito de ditadura foi estendido ao poder instaurador da nova ordem, isto é, ao poder revolucionário que, como tal, para falar com Maquiavel, desfaz as velhas ordens para novas fazer. A tarefa que lhe é atribuída ou que ela se atribui é muito mais vasta: não é mais a de remediar uma crise parcial do Estado, como pode ser uma guerra externa ou uma insurreição, mas sim a de resolver uma crise total, uma crise que põe em questão a existência mesma de um determinado regime. Como caso exemplar deste segundo tipo de ditadura pode ser recordado o da Convenção nacional que decide, a 10 de outubro de 1793, suspender a Constituição daquele mesmo ano (que não voltará mais a ter vigor) e estabelece que o governo provisório seja "revolucionário" até que se tenha alcançado a paz. Com respeito à ditadura clássica, a ditadura jacobina não é mais uma magistratura monocrática, em que pese a personalidade de Robespierre, mas é a ditadura de um grupo revolucionário. A dissociação entre o conceito de ditadura e o conceito de poder monocrático deve ser sublinhada. Porém, característica distintiva mais importante entre ditadura clássica e ditadura moderna está na extensão do poder, que não está mais apenas circunscrito à função executiva, mas se estende à função legislativa e inclusive à constituinte.

11. A ditadura revolucionária. Uma das tarefas que Buonarroti atribui ao governo revolucionário dos "sábios" consiste em preparar a nova constituição que deverá concluir a base revolucionária, mostrando deste modo, para além de qualquer dúvida, que a característica saliente da ditadura revolucionária é o exercício do poder soherano por excelência que é o poder constituinte. A idéia dá ditadura revolucionária como governo provisório e temporâneo imposto por circunstâncias excepcionais, passou na teoria e na prática de Blanqui, mas não na teoria política de Marx, que falou de ditadura do proletariado no sentido de dominação de uma classe e não de um comitê e muito menos de um partido, e portanto não no sentido tradicional de forma típica de exercício de poder, não naquele sentido que o termo tinha substancialmente conservado na passagem da ditadura clássica à moderna.

Marcos Katsumi Kay – N1

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