quinta-feira, 25 de setembro de 2008

RIBEIRO, Renato Janine. Hobbes: o medo e a esperança.

RIBEIRO, Renato Janine. Hobbes: o medo e a esperança. In: WEFFORT, Francisco C. (org.) Os Clássicos da Política. São Paulo, Editora Ática, 2004, vol. 1.
Estrutura: Igualdade e liberdade. o Estado, o medo e a propriedade. Um pensador maldito.
Resumo:

Hobbes é um contratualista, quer dizer, um daqueles filósofos que, entre o século XVI e o XVIII (basicamente), afirmaram que a origem do Estado e/ou da sociedade está num contrato: os homens viveriam, naturalmente, sem poder e sem organização - que somente surgiriam depois de um pacto firmado por eles, estabelecendo as regras de convívio social e de subordinação política.

Ele não afirma que os homens são absolutamente iguais, mas que são iguais o bastante para que nenhum possa triunfar de maneira total sobre outro. Decorre que geralmente o mais razoável para cada um é atacar o outro, ou para vencê-lo, ou simplesmente para evitar um ataque possível: assim a guerra se generaliza entre os homens. Por isso, se não há um Estado controlando e reprimindo, fazer a guerra contra os outros é a atitude mais racional que eu posso adotar (é preciso enfatizar esse ponto, para ninguém pensar que o "homem lobo do homem", em guerra contra todos, é um anormal; suas ações e cálculos são os únicos racionais, no estado de natureza). Hobbes deduz que no estado de natureza todo homem tem direito a tudo.

Para Hobbes, o homem é o indivíduo. O indivíduo hobbesiano não almeja tanto os bens, mas a honra. Entre as causas da violência uma das principais reside na busca da glória, quando os homens se batem "por ninharias, como uma palavra, um sorriso, uma diferença de opinião, e qualquer outro sinal de desprezo, quer seja diretamente dirigido a suas pessoas, quer indiretamente a seus parentes, seus amigos, sua nação, sua profissão ou seu nome".

É preciso que exista um Estado dotado da espada, armado, para forçar os homens ao respeito. O poder de Estado tem que ser pleno. O Estado medieval não conhecia poder absoluto, nem soberania - os poderes do rei eram contrabalançados pelos da nobreza, das cidades, dos Parlamentos. No Estado deve haver um poder soberano, isto é, um foco de autoridade que possa resolver todas as pendências e arbitrar qualquer decisão. Hobbes desenvolve essa idéia, e monta um Estado que é condição para existir a própria sociedade. A sociedade nasce com o Estado.

Não existe primeiro a sociedade, depois o poder ("o Estado"). Porque, se há governo, é justamente para que os homens possam conviver em paz: sem governo, nós nos matamos uns aos outros. Por isso, o poder do governante tem que ser ilimitado. Pois, se ele sofrer alguma limitação, se o governante tiver de respeitar tal ou qual obrigação (por exemplo. tiver que ser justo) - então quem irá julgar se ele está sendo ou não justo? Quem julgar terá também o poder de julgar se o príncipe continua príncipe ou não - e portanto será, ele que julga, a autoridade suprema. Não há alternativa: ou o poder é absoluto, ou continuamos na condição de guerra, entre poderes que se enfrentam. O soberano não assina o contrato - este é firmado apenas pelos que vão se tornar súditos, não pelo beneficiário. No momento do contrato não existe ainda soberano, que só surge devido ao contrato. Ele se conserva fora dos compromissos, e isento de qualquer obrigação.

Nesse Estado, em que o poder é absoluto, que papel caberão à liberdade e à igualdade, estes grandes valores que aprendemos a respeitar? O que Hobbes faz é justamente desmontar o valor retórico que atribuímos a palavras capazes de gerar tanto entusiasmo - e, dirá ele; tanta ambição, descontentamento e guerra. A igualdade é o fator que leva à guerra de todos. Dizendo que os homens são iguais, Hobbes não faz uma proclamação revolucionária contra o Antigo Regime, simplesmente afirma que dois ou mais homens podem querer a mesma coisa, e por isso todos vivemos em tensa competição. E a liberdade? Hobbes vai defini-la de modo que também deixa de ser um valor.

Hobbes começa reduzindo a liberdade a uma determinação física, aplicável a qualquer corpo. Com isso ele praticamente elimina o valor da liberdade como um clamor popular, como um princípio pelo qual homens lutam e morrem.

Resta porém, uma liberdade ao homem: Quando o indivíduo firmou o contrato social, renunciou ao seu direito de natureza, isto é, ao fundamento jurídico da guerra de todos. É que, neste direito, o meio (fazer o que julgasse mais conveniente) contradizia o fim (preservar a própria vida). O homem percebeu que, como todos tinham esse direito tanto quanto ele, o resultado só podia ser a guerra - e a vida do homem [era] solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta. Mas, dando poderes ao soberano, a fim de instaurar a paz, o homem só abriu mão de seu direito para proteger a sua própria vida. Se esse fim não for atendido pelo soberano, o súdito não lhe deve mais obediência - não porque o soberano violou algum compromisso (isso é impossível, pois o soberano não prometeu nada), mas simplesmente porque desapareceu a razão que levava o súdito a obedecer. Esta é a verdadeira liberdade do súdito.

O soberano não perde a soberania se não atende aos caprichos de cada súdito. Mas, se deixa de proteger a vida de determinado indivíduo, este indivíduo (e só ele) não lhe deve mais sujeição. Os outros não podem aliar-se ao desprotegido, porque o governante continua a protegê-los. E pouco importa se o soberano fere o ex-súdito tendo ou não razão (afinal, ninguém pode julgar o soberano).

Mas esse Estado hobbesiano continua marcado pelo medo. O soberano governa pelo temor que inflige a seus súditos. Sem medo, ninguém abriria mão de toda a liberdade que tem naturalmente; se não temesse a morte violenta, que homem renunciaria ao direito que possui?

Devemos, porém, matizar o medo que há no Estado hobbesiano. Primeiro, o Leviatã não aterroriza. Terror existe no estado de natureza, quando vivo no pavor de que meu suposto amigo me mate. Já o poder soberano apenas mantém temerosos os súditos, que agora conhecem as linhas gerais do que devem seguir para não incorrer na ira do governante. Segundo, o indivíduo bem comportado dificilmente terá problemas com o soberano. E, terceiro, o Estado não se limita a deter a morte violenta. Não é produto apenas do medo à morte - se entramos no Estado é também com uma esperança (em filosofia, o medo e a esperança são um velho par) de ter vida melhor e mais confortável.

O conforto, em grande parte, deve-se à propriedade. A sociedade burguesa, que no tempo de Hobbes já luta para se afirmar, estabelece a autonomia do proprietário para fazer com seu bem o que bem entenda. Na Idade Média, a propriedade era um direito limitado, porque havia inúmeros costumes e obrigações que a controlavam: O senhor de terras não podia impedir o pobre de colher espigas, ou frutas, na proporção necessária para saciar a fome. Se havia um servo ligado à gleba, nem este podia deixá-la, nem o senhor podia expulsá-lo para dar outro uso à terra. Nos tempos modernos, o proprietário adquire o direito não só ao uso do bem e a seus frutos, mas também ao abuso: o direito de alienar o bem, de destruí-lo, vendê-lo ou dá-lo.

Hobbes reconhece o fim das velhas limitações feudais à propriedade - e nisso ele está de acordo com as classes burguesas, empenhadas em acabar com os direitos das classes populares à terra comunal ou privada - mas, ao mesmo tempo, estabelece um limite muito forte à pretensão burguesa de autonomia: as terras e bens estão controlados pelo soberano.

E aqui podemos entender por que Hobbes é, com Maquiavel e em certa medida Rousseau, um dos pensadores mais "malditos" da história da filosofia política - pois, no século XVII, o termo "hobbista" é quase tão ofensivo quanto "maquiavélico".

Não é só porque apresenta o Estado como monstro frio e o homem como belicoso, rompendo com a confortadora imagem aristotélica do bom governante e do indivíduo de boa natureza. Não é só porque subordina a religião ao poder político. Mas é, também, porque nega um direito natural ou sagrado do indivíduo à sua propriedade.

No seu tempo, e ainda hoje, a burguesia vai procurar fundar a propriedade privada num direito anterior e superior ao Estado: por isso ela endossará Locke, dizendo que a finalidade do poder público consiste em proteger a propriedade. Um direito aos bens que dependa do beneplácito do governante vai frontalmente contra a pretensão da burguesia a controlar, enquanto classe, o poder de Estado; e, como isso é o que vai acontecer na Inglaterra após a Revolução Gloriosa (1688), o pensamento hobbesiano não terá campo de aplicação em seu próprio país, nem em nenhum outro.

O contrato produz dois resultados importantes. Primeiro, o homem é o artífice de sua condição, de seu destino, e não Deus ou a natureza. Segundo, o homem pode conhecer tanto a sua presente condição miserável quanto os meios de alcançar a paz e a prosperidade. Esses dois efeitos, embora a via do contrato tenha sido abandonada na filosofia política posterior ao século XVIII, continuam inspirando o pensamento sobre o poder e as relações sociais.

Marcos Katsumi Kay - N1

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

NICOLAU, Jairo et al. Eleições e Partidos. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2003.

NICOLAU, Jairo et al. Eleições e Partidos. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2003. p. 11-37.
Estrutura: Notas sobre as eleições de 2002 e o sistema partidário brasileiro. Partidos em carne e osso: votos e deputados nas eleições de 2002.
Resumo:

Notas sobre as eleições de 2002 e o sistema partidário brasileiro (Jairo Nicolau). A chegada ao Executivo Federal de um partido de esquerda, pela primeira vez desde que este foi fundado em 1985; o fato de que o PFL tenha ficado na oposição e a vitória do PT nas eleições para a Câmara dos Deputados. Sem mencionar o simbolismo que envolve a vitória de Luis Inácio Lula da Silva.

Entretanto, um aspecto, em particular, não foi alterado pelas eleições de 2002: a alta fragmentação do sistema partidário. Por outro lado, nas eleições para presidente a dispersão entre os candidatos tem sido muito menor do que a das eleições parlamentares.

Um desafio é entender por que diversos partidos importantes têm se recusado a apresentar candidatos à Presidência, preferindo participar de coligações com outros, ou simplesmente não concorrer. Algumas hipóteses podem ser sugeridas. A primeira decorre da estrutura fortemente descentralizada dos partidos brasileiros. Como as unidades da federação são os distritos eleitorais na eleição de quatro dos sete cargos eletivos (deputado federal, deputado estadual, governador e senador) é natural que a política estadual tenha centralidade no sistema político brasileiro. Algumas lideranças partidárias são importantes no âmbito estadual, mas incapazes de se projetarem como lideranças nacionais. Conseqüentemente, fazem todos os cálculos eleitorais de forma a priorizar a sobrevivência política no estado de origem, deixando em segundo plano as disputas políticas no âmbito nacional. A segunda possível explicação para o reduzido número de competidores nas eleições presidenciais pode derivar do alto custo das campanhas. Como o financiamento de campanha é obrigado quase exclusivamente no meio empresarial só os candidatos com o mínimo de viabilidade eleitoral garantem recursos para fazerem uma campanha minimamente competitiva.

Além dos fatores conectados diretamente ao sistema eleitoral (efeitos mecânicos e psicológicos) o número de eleitores numa eleição presidencial pode ser afetado por fatores exógenos (a natureza dos partidos, o federalismo e o custo das campanhas).

Qual o impacto dos estímulos de concentração nas eleições presidenciais e dispersão nas eleições para o Legislativo?

É importante lembrar ainda que em cada eleição presidencial os partidos que concorrem mobilizam seus técnicos para a elaboração de um programa de governo, tarefa que acaba contribuindo para que o partido seja obrigado a apresentar uma convergência mínima em termos programáticos.

As três últimas eleições para presidente mostram que o sistema representativo brasileiro opera com duas esferas políticas relativamente autônomas. De um lado, a alta fragmentação nas eleições para a Câmara dos Deputados. De outro, a concentração da disputa presidencial em torno de um número reduzido de competidores

Essa combinação afeta a capacidade de o presidente formar maioria no Legislativo, devido a alta fragmentação partidária, a possibilidade de partido do presidente obter maioria absoluta das cadeiras na Câmara dos Deputados é muito reduzida

Em quase duas décadas do atual ciclo democrático brasileiro, praticamente não tem havido grandes conflitos entre os Poderes Executivo e Legislativo no Brasil, não obstante o fato de o país utilizar uma combinação condenada pela literatura como a pior possível: representação proporcional para a Câmara dos Deputados e eleição majoritária para o Executivo. Talvez o segredo da eficiência do sistema representativo brasileiro deva ser buscado na natureza dos partidos. Com exceção do PT, os principais partidos são pragmáticos e pouco ideológicos. Independentemente do partido do presidente, se este é orientado na direção do centro do espectro político, os outros partidos sempre têm se disposto a cooperar.

Partidos em carne e osso: votos e deputados nas eleições de 2002 (André Marenco dos Santos). Para os resultados eleitorais de 2002, os elementos para uma aferição de consistência adquirida pelo sistema partidário brasileiro, após quatro disputa presidenciais e cinco legislativas, desde a redemocratização das instituições públicas, a expectativa que informa esta análise, consiste na suposição de que partidos representam organizações consolidadas quando são capazes de produzir lealdades estáveis junto a eleitores e a candidatos e a carreiras políticas.

Votos estáveis e fidelidade partidária revelam, assim, a presença de organizações partidárias capazes de agenciar a oferta de representação política.

O quociente elevado dessa competição impõe – e candidatos bem sucedidos costumam ser aqueles que atendem este quesito – a ultrapassagem das fronteiras partidárias como uma exigência para uma candidatura competitiva na escala territorial de uma federação como a brasileira.

A distribuição dos votos para a Câmara dos Deputados em 2002 reafirmou um padrão nacional de elevada fragmentação, que pode ser verificada no número de partidos efetivos.

Nesse caso, parece evidente a sinergia provocada pela simultaneidade com a eleição presidencial, beneficiando legendas dotadas de candidatura presidencial.

Deputados. Supõe-se, aqui, que o tempo de filiação possa indicar evidências sobre a natureza e consistência das relações firmadas dentro de cada legenda.

Valores elevados identificam a existência de um intervalo temporal significativo, espécie de estágio probatório, como a condição para que o aspirante a um posto parlamentar possa resgatar o investimento realizado previamente sob a forma de dedicação e lealdade às tarefas partidárias, deferências às suas lideranças, progressão na hierarquia interna relações firmadas e convertidas em arregimentação de suporte eleitoral. Por outro lado valores revelam a existência de custos relativamente reduzidos, associados à condição de noviciado no partido.

Tempos de filiação elevados indicam a presença de oportunidade para a geração de lealdades mais seguras. A suposição que guia esta análise é a de que quando partidos controlam o ingresso e mobilidade na carreira política, o custo de transgressões eventuais à fidelidade partidária será elevado, o que incentiva a permanência na mesma organização e, produz como resultado a sedimentação de estruturas partidárias estáveis.

Oportunidades para o recrutamento de candidatos a carreiras políticas com precários vínculos partidários prévios e ausência de mecanismos institucionais capazes de inibir a troca de legendas durante o exercício de mandatos públicos são convencionalmente indicados como pistas para explicar a magnitude do fenômeno.

Duas ressalvas podem ser feitas à hipótese de Shugart: em primeiro lugar, como Limongi (1999), não é possível fazer inferências automaticamente ao grau de disciplina legislativa a partir da leitura dos procedimentos do recrutamento eleitoral. Por outro lado, a associação entre engenharia eleitoral e as estratégias de carreira dos membros partidários deve ser mais matizada.

Essa informação deve sugerir uma dose de moderação na repercussão ao do fenômeno da migração partidária. Embora possa ser relevante, não corresponde a um fenômeno uniforme, apresentando variações significativas quando se considera cada legenda.

Marcos Katsumi Kay – N1

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

SANTOS, Fabiano. O Poder Legislativo no presidencialismo de coalizão. 2003.

SANTOS, Fabiano. O Poder Legislativo no presidencialismo de coalizão. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2003.

Estrutura: Instituições eleitorais e desempenho do presidencialismo no Brasil. Patronagem e poder de agenda na política brasileira. Partidos e comissões no presidencialismo de coalizão. Deputados federais e instituições legislativas no Brasil.

Resumo:

O sistema presidencialista de governo nasce no Brasil desprovido de uma prática de freios e contrapesos entre os diversos agentes políticos. O Executivo governava o país sem qualquer interferência do Congresso, cujos membros se elegiam no mais das vezes por obra e graça da influência dos governadores nos pleitos estaduais. Uma vez que o governo funcionava com base em um pacto entre presidente e governadores, aos congressistas, dependentes que eram dos chefes estaduais, não restava outra coisa senão seguir a orientação emanada do chefe do Executivo. Durante a República de 1946, o Brasil parte para o experimento político que mais se aproximou do que podemos chamar de um presidencialismo democrático. O desempenho do presidencialismo durante o período adequou-se razoavelmente aos princípios do governo de controles mútuos. Após expansão de sua capacidade decisória durante o domínio militar, temos a oportunidade de discutir as perspectivas de construção de um sistema de governo baseado no esquema de freios e contrapesos. Mas não teve suas prerrogativas suficientemente reduzidas.

Inúmeros textos têm chamado a atenção para o problema da autonomia excessiva dos presidentes nas novas democracias identificando no sistema eleitoral as raízes de tal problema. A traição dos princípios presidencialistas dos freios e contrapesos estaria radicada no funcionamento do sistema eleitoral. Uma corrente defende pura e simplesmente a inviabilidade do modelo institucional adotado no país, que se define pela combinação do sistema presidencialista com representação proporcional. Processos eleitorais distintos para o Executivo e o Legislativo tornam altamente instável a dinâmica política por não existir garantia que o partido do candidato presidencial eleito seja o mesmo a deter a maioria das cadeiras no parlamento. Os membros do parlamento são considerados agentes paroquiais, já que são eleitos por um sistema que estimula a competição intrapartidária e a construção de reputações individuais. Análises recentes mostram que medidas provisórias, monopólio de emissão de proposições e pedidos unilaterais de urgência favorecem o Executivo. A idéia de que o parlamento brasileiro, por ser fragmentado, constitui impedimento para a aprovação da agenda governamental não possui lastro.

O comportamento legislativo esperado dos representantes eleitos gera desperdício e políticas públicas ineficientes porque os candidatos tentam criar uma reputação pessoal em sua base eleitoral destinando benefícios aos municípios onde são bem votados. No caso do parlamento norte-americano, o objetivo principal do congressista é o de conquistar sua reeleição. Sua produção legal, seu posicionamento em votações nominais em plenário, sua inserção no sistema de comissões, os fatos mais marcantes da vida parlamentar são derivados da busca constante de satisfazer as preferências da maioria que o elegeu em seu distrito. Os representantes possuem informação com razoável grau de confiabilidade acerca das preferências dos votantes que contribuíram para a sua vitória no distrito.

O número de deputados eleitos com os seus próprios votos é ínfimo. A magnitude da transferência dos votos nominais derrotados é avassaladora. A transferência dos votos ocorre não apenas intrapartidos, mas também entrepartidos por conta das alianças e coligações eleitorais. A teoria do voto personalizado não pode funcionar porque os deputados brasileiros não conhecem a sua verdadeira constituency eleitoral. Quanto mais condições de governabilidade tiver o Executivo, mas clara será a sinalização do representante vis-a-vis à sua base. Para o legislador em busca de uma constituency é importante que a fonte, mediante a qual ele emitirá sinais de seu posicionamento junto à base eleitoral, possua condições ótimas de agenda setting. Quanto maior o número de pontos de veto entre as pretensões presidenciais e a realização de seu programa, mais difícil será para o eleitor identificar exatamente qual em suma é a política governamental. Por isso, pode-se afirmar que a transferência de prerrogativas do Legislativo para o Executivo não decorre, como imagina a teoria do voto personalizado, do paroquialismo dos representantes eleitos no contexto do sistema eleitoral proporcional de listas abertas. Ao contrário, o surplus de voto a ser adquirido pelos deputados brasileiros só pode advir da nacionalização de seu comportamento.

Se um presidente é eleito e propõe um programa de governo distante do posicionamento ideológico do legislador mediano, então o Congresso reagirá redefinindo o desenho constitucional de relação entre Poderes, recuperando prerrogativas pertencentes ao Executivo. Se este mesmo presidente decide adequar seu programa cooptando membros da oposição congressual, o valor da sinalização via intermediação presidencial é reduzido. Em ambos os casos, a intermediação presidencial perde valor aumentando o payoff relativo do investimento no distrito.

A decisão dos deputados de participar de coalizões de apoio presidencial dependerá não somente do grau de concordância com seu programa de governo, mas também do acesso a cargos políticos dado por essa cooperação. Dado o multipartidarismo, é irrealista supor que uma coalizão possa se sustentar com base única e exclusivamente na afinidade programática.

A perspectiva do término do período presidencial se torna sério complicador para a manutenção da coalizão de apoio nos últimos anos do mandato do presidente. A patronagem funciona de modo que o presidente ofereça cargos no governo federal para partidos estranhos à coalizão de apoio formal. Isso se dá porque o governo não pode ter certeza de que todos os membros dos partidos da base de coalizão votarão de acordo com o voto do líder da bancada quando o término do mandato se aproxima. Na dúvida se a contagem dos votos levará à aprovação da matéria, o presidente oferece os cargos para garantir mais votos.

A utilização da estratégia da patronagem consiste exatamente na negociação entre o presidente e deputados membros de partidos de oposição em busca de um surplus de apoio parlamentar, um seguro contra a perspectiva de comportamentos indisciplinados em sua base de apoio formal.

O efeito da combinação de presidencialismo, multipartidarismo e voto proporcional personalizado é sempre o mesmo: dificuldade de aprovação de agenda presidencial no Legislativo, por conta da alta fragmentação e baixos índices de coesão partidária. O quadro comparativo preliminar revela que a capacidade do Executivo em ter sua agenda aprovada é consideravelmente maior hoje do que o foi durante o período 1946-1964. Além disso, a coesão e disciplina médias dos partidos são significativamente maiores atualmente. Portanto a teoria do presidencialismo com voto personalizado não é suficiente para conta da mudança verificada. Do ponto de vista institucional, mudaram os recursos de agenda em mãos do Executivo, que pode atualmente pedir de maneira unilateral urgência para a tramitação de seus projetos. Possui, além disso, monopólio sobre a emissão de projetos que fixem efetivo das Forças Armadas e de natureza financeira. Mudanças nas regras que regulam o processo decisório, e não das instituições que formam a pólis, foram determinantes para a alteração no modo pelo qual a interação Executivo-Legislativo funciona. A agenda compartilhada cedeu espaço para uma agenda imposta.

A atual dinâmica legislativa no Brasil deve ser estudada levando-se em consideração a experiência do período 1946-1964. O padrão de coalizão em torno da agenda presidencial foi significativamente diverso nos dois períodos. No primeiro, partidos divididos, coalizões amplas envolvendo parcelas relevantes de partidos oposicionistas. No segundo, um padrão consistente de governo versus oposição, com razoável disciplina por parte da oposição. No âmbito da relação entre líderes e bancadas percebeu-se diferença igualmente importante no que se refere à política de nomeações para as principais comissões da Câmara. A mudança na capacidade alocativa do Congresso foi decisiva para a racionalização do comportamento legislativo. Atualmente se encontra um padrão mais consistente de comportamento partidário, reduzindo substancialmente o poder de barganha de parlamentares tomados individualmente e incentivando que os políticos com aspirações mais ambiciosas permaneçam por mais tempo atuando no Legislativo. Os políticos são sistematicamente atraídos para retornar ao Legislativo. Se a ambição política sinaliza ao político brasileiro que o Congresso não é prioritário, nem por isso este deixa de ser fundamental. A questão é em que grau e que papel a instituição cumpre com relação às finalidades políticas dos agentes.

Marcos Katsumi Kay – N1

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

FIGUEIREDO, Argelina e LIMONGI, Fernando. Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1999.

FIGUEIREDO, Argelina e LIMONGI, Fernando. Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1999.
Estrutura: Bases institucionais do presidencialismo de coalizão. Mudança constitucional, desempenho do legislativo e consolidação institucional. Poder de agenda, disciplina e apoio partidário na câmara dos deputados. O congresso e as medidas provisórias: abdicação ou delegação?
Resumo:

Bases institucionais do presidencialismo de coalizão. As constituições escritas pelos militares procuravam garantir a preponderância legislativa do Executivo e maior presteza à consideração de suas propostas legislativas, a Constituição brasileira de 1988 manteve em parte esta filosofia, tendo em vista que, por exemplo, confere iniciativa exclusiva ao presidente em matérias orçamentárias e veda emendas parlamentares que impliquem a ampliação dos gastos previstos. O presidente brasileiro tem ainda exclusividade da iniciativa em matérias tributárias e relativas à organização administrativa

Apesar da fórmula institucional adotada pelo país parece ser a pior, uma combinação entre presidencialismo e um sistema pluripartidário baixamente institucionalizado. A análise recente da interação Executivo-Legislativo na formulação de políticas públicas com foco no processo decisório, examinando como se estrutura o próprio processo decisório e seu impacto no comportamento parlamentar e no desempenho governamental revela que o Congresso não é uma instância institucional de veto à agenda do Executivo. Sob o presidencialismo, pode dispor de recursos que induzam os parlamentares a cooperar com o governo e a sustentá-lo. O controle exercido pelo Executivo sobre a iniciativa legislativa cria incentivos para que parlamentares se juntem ao governo apoiando a sua agenda, também o controle de agenda exercido pelos líderes partidários e pelo Executivo reduz as chances de sucesso das iniciativas individuais dos deputados

Os dados mostram preponderância do Executivo sobre um Congresso que se dispõe a cooperar e vota de maneira disciplinada, a unidade de referência a estruturar os trabalhos legislativos são os partidos e não os parlamentares, sendo que há uma forte disciplina dos parlamentares em relação aos partidos. Os regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado conferem amplos poderes aos líderes partidários para agir em nome dos interesses de seus partidos. Os regimentos internos consagram um padrão decisório centralizado onde o que conta são os partidos. Os líderes partidários decidem quando é oportuno forçar uma votação nominal. A coesão partidária deve ser distinguida da disciplina partidária: a coesão depende da distribuição das preferências e a disciplina depende da alteração do comportamento diante de ameaça ou aplicação de sanções.

Quanto aos poderes legislativos do presidente, este domina o processo legislativo porque tem poder de agenda e esta agenda é processada e votada por um Poder Legislativo organizado de forma altamente centralizada em torno de regras que distribuem direitos parlamentares de acordo com princípios partidários. O Executivo, por controlar o acesso à patronagem, dispõe de recursos para impor disciplina aos membros da coalizão que o apóia ao dispor de meios para ameaçar e impor sanções.

Executivo constitui um papel principal como legislador por mecanismos constitucionais que ampliam os poderes legislativos do presidente, a extensão da exclusividade de iniciativa, o poder de editar medidas provisórias com força de lei e a faculdade de solicitar urgência para os seus projetos e também por definir a agenda legislativa, colocando-o em posição estratégica para a aprovação de seus projetos, as medidas provisórias têm conseqüências mais significativas, pois afetam a estrutura de preferências dos parlamentares, induzindo-os a cooperar. Dado o custo de rejeição de uma MP, os parlamentares podem julgar preferível aprová-la, tendo em vista os efeitos já produzidos durante sua vigência.

As evidências apresentadas negam o diagnóstico dominante na literatura, segundo o qual o país viveria uma crise de governabilidade decorrente de um conflito entre um Executivo institucionalmente frágil e um Legislativo fortalecido pelo texto constitucional, mas incapaz de agir devido à ausência da necessária estrutura partidária.

Poder de agenda, disciplina e apoio partidário na câmara dos deputados. Diferente dos diagnósticos estabelecidos sobre o desempenho dos sistemas presidencialistas em geral e o funcionamento do presidencialismo brasileiro em particular, o Congresso brasileiro não pode ser visto como um obstáculo à aprovação da agenda legislativa do Executivo. Os governos recentes têm tido considerável grau de sucesso na aprovação de agenda legislativa do Executivo. Não há evidências que indiquem dificuldades e restrições à capacidade do Executivo para ver sua agenda legislativa transformada em lei. No entanto, os poderes legislativos influem na capacidade do Executivo de induzir a formação e a manutenção de maiorias

Similar aos regimes parlamentaristas, o chefe do Executivo distribui as pastas ministeriais com o objetivo de obter apoio da maioria dos legisladores. Partidos que recebem pastas são membros do governo e devem comportar-se como tal no Congresso, isto é, devem votar a favor das iniciativas patrocinadas pelo Executivo. Raras foram às oportunidades em que o presidente foi derrotado por falta de apoio (indisciplina) de suas bases.

A agenda legislativa dos quatro presidentes que governaram sob a vigência da nova Constituição contou com amplo apoio do Congresso e obteve índices de sucesso equivalentes aos registrados em regimes parlamentaristas. Assim como nos países parlamentaristas, observa-se também a formação de governos de coalizão que, à exceção de Collor, contaram com a participação de partidos que detinham a maioria das cadeiras no Congresso Nacional.

O sucesso do Executivo, ao contrário do que normalmente se afirma, dependeu do apoio de maiorias construídas em bases partidárias, e não individuais. Os dados analisados demonstram que as coalizões partidárias são viáveis sob o presidencialismo. Em geral, mesmo nas condições mais difíceis, como a votação de matérias constitucionais, os presidentes puderam contar com o apoio de sua coalizão. As várias derrotas amargadas pelo governo Collor comprovam que o apoio presidencial é bem-sucedido quando estruturado em bases partidárias

O congresso e as medidas provisórias: abdicação ou delegação? Trata do mais poderoso instrumento legislativo de que dispõe o Executivo: o art. 62 da Constituição de 1988, que lhe garante a faculdade de editar, em casos de relevância e urgência, medidas provisórias com força de lei no ato de sua edição.

O Executivo garante sua preponderância legislativa e inibe o desenvolvimento institucional do Legislativo, sobretudo porque pode recorrer à edição e posterior reedição de MPs. A regulamentação da tramitação das MPs pelo Congresso Nacional foi escrita por parlamentares. Em princípio como o principal meio de que dispõe o Executivo para impor seus caprichos e decisões arbitrárias em face de um Legislativo inerte e amorfo. A segunda interpretação é que as MPs foram utilizadas fundamentalmente com vistas à formulação da política macroeconômica dos diferentes governos. Foram os veículos legais para a proposição de planos de estabilização econômica. Ainda que tenha sido essa a tônica dominante em todo o período, há diferenças marcantes no padrão de atuação dos diferentes governos e, principalmente, na resposta do Congresso à emissão de MPs. Tais diferenças se devem, antes de mais nada, a fatores de natureza política, mais especificamente ao apoio político-partidário obtido pelo presidente no Congresso.

A visão dominante sobre os efeitos da utilização das MPs tende a assumir que a separação de poderes no sistema presidencialista implica a existência de interesses divergentes no Executivo e no Legislativo. Por essa razão as medidas provisórias são geralmente vistas como instrumentos eficazes com que o Executivo conta para superar resistências e impor sua vontade ao Congresso. Assim, governos minoritários recorreriam mais freqüentemente à edição de medidas provisórias. Procuramos mostrar que as medidas provisórias podem ser instrumentos ainda mais poderosos nas mãos de um Executivo que conte com maioria no Congresso, especialmente em governos de coalizão. Nesses casos, podem funcionar como um eficaz mecanismo de preservação de acordos e de proteção da coalizão governamental nas decisões contra medidas impopulares.

Marcos Katsumi Kay - N1