quarta-feira, 30 de abril de 2008

WEBER, Max. Economia e sociedade. p. 3-35.

WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasilia: EdUNB, 1988, p. 3-35.
Estrutura: Conceitos sociológicos fundamentais.
Resumo:

Sociologia significa uma ciência que pretende compreender interpretativamente a ação social e assim explicá-la causalmente em seu curso e em seus efeitos. Por "ação" entende-se um comportamento humano sempre que e na medida em que o agente ou os agentes o relacionem com um sentido subjetivo. Ação "social", por sua vez, significa uma ação que, quanto a seu sentido visado pelo agente ou os agentes, se refere ao comportamento de outros, orientando-se por este em seu curso.

Ação social, como toda ação, pode ser determinada: 1) de modo racional referente a fins: por expectativas quanto ao comportamento de objetos do mundo exterior e de outras pessoas, utilizando essas expectativas como "condições" ou "meios" para alcançar fins próprios, ponderados e perseguidos racionalmente, como sucesso, 2) de modo racional referente a valores: pela crença consciente no valor - ético, estético, religioso ou qualquer que seja sua interpretação - absoluto e inerente a determinado comportamento como tal, independentemente do resultado; 3)de modo efetivo, especialmente emocional: por afetos ou estados emocionais atuais; 4) de modo tradicional: por costume arraigado.

Por "relação" social entendemos o comportamento reciprocamente referido quanto a seu conteúdo de sentido por uma pluralidade de agentes e que se orienta por essa referência.

Denominamos uso a probabilidade efetivamente dada de uma regularidade na orientação da ação social, quando e na medida em que a probabilidade dessa regularidade, dentro de determinado círculo de pessoas, está dada unicamente pelo exercício efetivo. Chamamos o uso costume, quando o exercido se baseia no hábito inveterado.

Toda ação, especialmente a ação social e, por sua vez, particularmente a relação social podem ser orientadas, pelo lado dos participantes, pela representação da existência de uma ordem legítima. A probabilidade de que isto ocorra de fato chamamos "vigência" da ordem em questão.

A legitimidade de uma ordem pode estar garantida (1) unicamente pela atitude interna (modo afetivo, de modo racional referente a valores, de modo religioso) e (2) também pelas expectativas de determinadas conseqüências externas (situação de interesses, expectativas de determinado gênero). Uma ordem é denominada convenção (reprovação) ou direito (coação).

Vigência legítima pode ser atribuída a uma ordem, pelos agentes em virtude da tradição, em virtude de uma crença afetiva, em virtude de uma crença racional referente a valores, em virtude de um estatuto existente (acordo entre os interessados, imposição legitima e submissão).

Uma relação social denomina-se luta quando as ações se orientam pelo propósito de impor a própria vontade contra a resistência do ou dos parceiros, denomina-se "relação comunitária" quando e na medida em que a atitude na ação social repousa no sentimento subjetivo dos participantes de pertencer ao mesmo grupo, denomina-se "relação associativa" quando e na medida em que a atitude na ação social repousa num ajuste ou numa união de interesses racionalmente motivados.

Uma relação social (comunitária ou associativa) será declarada aberta para fora ou fechada para fora. Uma relação social pode ter para os participantes, segundo sua ordem tradicional ou estatuída, a conseqüência de que determinadas ações a) de cada um dos participantes se imputam a todos os demais ("companheiros solidários") ou b) de determinados participantes ("representantes") se imputam a todos os demais (os "representados") de modo que tanto as probabilidades quanto as conseqüências, para o bem ou para o mal, recaíam sobre estes últimos. Chamamos "associação" uma relação social fechada para fora ou cujo regulamento limita a participação quando a observação de sua ordem está garantida pelo comportamento de determinadas pessoas, destinado particularmente a esse propósito: de um dirigente e, eventualmente, um quadro administrativo que, dado o caso, têm também, em condições normais, o poder de representação.

Uma associação pode ser: a) autônoma; b) autocéfala ou heterocéfala. Autonomia significa, em oposição à heteronomia, que a ordem da associação não é estatuída por estranhos, mas pelos próprios membros enquanto tais (não importando a forma em que isso se realize). Autocefalia significa que o dirigente da associação e o quadro administrativo são nomeados segundo a ordem da associação e não, como no caso da heterocefalia, por estranhos (não importando a forma em que se realize a nomeação).

As ordens estatuídas de uma relação associativa podem nascer a) por acordo livre ou b) por imposição e submissão. O poder governamental numa associação pode pretender para si o poder legítimo para a imposição de ordens novas. Chamamos constituição de uma associação a probabilidade efetiva de haver submissão ao poder impositivo do governo existente, segundo medida, modo e condições. As ordens de uma associação podem impor-se não apenas a seus membros como também a não-membros aos quais se aplicam determinadas condições de fato. Estes fatos podem especialmente consistir numa relação territorial (presença, nascimento, execução de determinadas ações dentro de determinado território): "vigência territorial". Uma associação, cuja ordem pretende, de princípio, vigência territorial, denominamos "associação territorial".

Denominamos ordem administrativa uma ordem que regula a ação associativa. Àquela que regula outras ações sociais, garantindo aos agentes as possibilidades que provém dessa regulação, denominamos "ordem reguladora". Uma associação orientada unicamente por ordens do primeiro tipo denomina-se "associação administrativa", quando se orienta somente pelas ordens do último tipo é uma associação reguladora.

Denominamos empresa uma ação contínua que persegue determinados fins, e associação de empresa uma relação associativa cujo quadro administrativo age continuamente com vista a determinados fins. Denominamos união uma associação baseada num acordo e cuja ordem estatuída só pretende a vigência para os membros que pessoalmente se associaram. Denominamos instituição uma associação cuja ordem estatuída se impõe, com (relativa) eficácia, a toda ação com determinadas características que tenha lugar dentro de determinado âmbito de vigência.

Poder significa toda probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade. Dominação é a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo, entre determinadas pessoas indicáveis; disciplina é a probabilidade de encontrar obediência pronta, automática e esquemática a uma ordem, entre uma pluralidade indicável de pessoas, em virtude de atividades treinadas. Temos uma associação de dominação na medida em que seus membros, como tais, estejam submetidos a relações de dominação, em virtude da ordem vigente.

A uma associação de dominação denominamos associação política, quando e na medida em que sua subsistência e a vigência de suas ordens, dentro de determinado território geográfico, estejam garantidas de modo contínuo mediante ameaça e aplicação de coação física por parte do quadro administrativo. Uma empresa com caráter de instituição política denominamos Estado, quando e na medida em que seu quadro administrativo reivindica com êxito o monopólio legítimo da coação física para realizar as ordens vigentes. Uma ação social, e especialmente a de uma associação, é "politicamente orientada", quando e na medida em que tenha por fim a influência da direção de uma associação política, particularmente a apropriação ou expropriação, a nova distribuição ou atribuição de poderes governamentais de forma não violenta.

Uma associação de dominação denomina-se associação hierocrática quando e na medida em que se aplique coação psíquica, concedendo-se ou recusando-se bens de salvação (coação hierocrática). Uma empresa hierocrática com caráter de instituição é denominada igreja quando e na medida em que seu quadro administrativo pretenda para si o monopólio da legítima coação hierocrática.

Marcos Katsumi Kay – N1

quarta-feira, 23 de abril de 2008

BACHARCH, P. e BARATZ, N. Poder e Decisão.

BACHARCH, P. e BARATZ, N. Poder e Decisão. In.: CARDOSO, F. H. e MARTINS, C. E. (org.). Política e Sociedade. São Paulo: Nacional, 1981, p. 43-52.
Estrutura: I e II
Resumo:

Há nos tempos recentes uma grande quantidade de estudos de caso sobre o processo decisório com uma notável escassez de generalizações. Não temos uma teoria geral com base na qual se possa contrastar e comparar sistematicamente os diferentes estudos de caso. Utilizam conceitos que são a um tempo demasiado amplos e restritos de mais.

É um pressuposto enganoso que o poder e seus correlatos são elementos ativos e só podem ser observados em situações de tomada de decisões. Existe uma área igualmente importante chamada tomada de não-decisões: a prática de limitar o âmbito da tomada real de decisões a questões seguras através da manipulação de valores, mitos, instituições políticas e procedimentos dominantes. Os estudos de caso também são muitas vezes baseados em premissas inexpressas e mesmo incorretas, que predeterminam a descoberta de fatos: origem social, cultural, econômica e política, valores do grupo, pressões exercidas sobre etc.

É necessário um modelo em termos do qual se possam avaliar os determinantes tanto da tomada de decisões quanto da tomada de não-decisões, tendo-se consciência dos conceitos distintos de poder, força, influência e autoridade.

Dizer que o poder é posse ou propriedade de um indivíduo ou grupo é inaceitável por pelo menos três razões: não se está claro que o poder é sobre pessoas ou sobre a matéria, não se pode ter poder no vácuo mas apenas em relação a outras pessoas e finalmente a posse dos instrumentos de poder não é equivalente à posse do próprio poder.

O poder é relacional e não possuído ou substantivo. São três as características relacionais: para que haja uma relação de poder é necessário que haja um conflito de interesse entre duas ou mais pessoas ou grupos, só existe uma relação de poder se B realmente se curva aos desejos de A e finalmente, uma relação de poder só existe se uma das partes pode ameaçar aplicação de sanções.

A aplicação de sanções ou recompensa é condição necessária para diferenciar poder de influência mas insuficiente pois requer as seguintes condições: a pessoa ameaçada deve ter consciência do que se espera dela, a sanção é de fato considerada como uma restrição, a pessoa tem que ter estima suficiente pelo valor sacrificado para obedecer e finalmente estar convencida de que não é vã ameaça.

Existe uma relação de poder quando (a) existe entre A e B um conflito sobre valores ou cursos de ação, (b) B aquiesce aos desejos de A e (c) ele assim procede por temer que a o prive de algum valor ou valores, que ele, B, coloca em posição mais alta que aqueles que seriam alcançados através da não-aquiescência.

Algumas observações: o poder pode ser extremamente limitado em âmbito (amplitude dos valores afetados), deve-se avaliar o grau em que os valores são afetados e sua amplitude (o número de pessoas afetadas) e finalmente B pode simplesmente concordar com o curso de ação pois A modela suas exigências sabendo disso.

O conceito de poder mantém-se indefinível. Sociólogos afirmam que o poder é centralizado e cientistas políticos afirmam que é amplamente difuso. Acredita o autor que os pluralistas não captam toda a verdade da questão. Enquanto suas críticas aos elitistas são corretas, eles, como elitistas, utilizam um tipo de abordagem e de premissas que predeterminam suas conclusões. O poder tem duas faces, nenhuma das quais é vista pelos sociólogos e apenas uma pelos cientistas políticos.

Três críticas aos elitistas: à sua premissa básica de que em toda instituição humana existe uma estrutura de poder, a hipótese de que essa estrutura de poder tende a ser estável ao longo do tempo e finalmente, é que ele equipara erroneamente o poder reputado com poder real.

Os pluralistas concentram sua atenção não nas fontes de poder mas em seu exercício. Não se interessa nos indivíduos supostamente poderosos mas preocupa-se em: (a) selecionar um número de decisões políticas chave e não rotineiras, (b) identificar as pessoas ativas nas decisões, (c) obter um relatório completo de seu comportamento no conflito e (d) analisar o resultado. Vantagens óbvias em relação aos elitistas mas tem dois defeitos relevantes: não leva em consideração o poder exercido como limitação de elaboração de decisões a questões relativamente seguras e não fornece critério objetivo para distinguir questões importantes de não-importantes. Na medida em que uma pessoa ou grupo, consciente ou não, cria ou reforça barreiras à ventilação pública dos conflitos políticos, esta pessoa ou grupo tem poder.

A distinção entre questões importantes e não-importantes não pode ser feita na ausência de uma análise da mobilização de viés na comunidade, dos valores dominantes e dos mitos, rituais e instituições políticas que tendem a favorecer os interesses constituídos de um ou mais grupos, relativamente a outros. Assim, pode-se concluir que qualquer desafio aos valores predominantes ou às regras do jogo constitui uma questão importante e o mais é desimportante. Isso pode não ser objetivo, mas precisa ser dito. Pluralistas cometem dois erros: eles começam sua estruturas pelo mezanino, sem mostrar os alicerces. Eles começam a estudar as questões políticas, em lugar dos valores e vieses embutidos no sistema político e que, para o estudioso do poder, dão significado real àquelas questões que interessam na arena política.

Marcos Katsumi Kay – N1

quarta-feira, 16 de abril de 2008

ELSTER, Jon. Peças e Engrenagens das Ciências Sociais. (capítulos XIII, XV)

ELSTER, Jon. Peças e Engrenagens das Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994 (capítulos XIII, XV).
Estrutura: XIII. Ação coletiva. XV. Instituições sociais.
Resumo:

Suponhamos que cada membro de um grupo tenha a escolha entre empenhar-se numa certa atividade e não se empenhar na mesma. O grupo tem um problema de ação coletiva se for melhor para todos se alguns o fizerem do que se ninguém o fizer, mas melhor para cada um não fazê-lo. Pode ser ou não melhor para todos se todos o fizerem do que se ninguém o fizer. E que todos o façam pode ser ou não o melhor. Cooperar é agir contra o próprio auto-interesse de um modo que beneficie a todos se alguns, ou possivelmente todos, agirem daquela forma.

No mais conhecido problema de ação coletiva é melhor para todos se todos cooperarem. Esta é uma extensão do Dilema do Prisioneiro. Na vida social há inumeráveis exemplos dessa perversa tendência de a racionalidade individual gerar o desastre coletivo: participação em greve, fixação de quota ou preço em cartel, utilização de transporte coletivo, jogar lixo no parque, investir em pesquisa e não copiar.

Em um gráfico, relacionando benefícios vs número de cooperadores, são traçada duas curvas representando o benefício por cooperador e benefício por não-cooperador. A distância entre elas representa o custo da cooperação. O custo constante é uma situação atípica. Pode aumentar: à medida que mais pessoas se juntam a campanhas de rádio que pedem ligações telefônicas, as linhas ficam congestionadas e leva mais tempo para conseguir completá-las. O custo também pode decrescer: à medida que mais pessoas aderem a um movimento revolucionário. Existem os casos em que atos unilaterais de cooperação causam danos a todos. Atos individuais de rebelião podem criar um pretexto para que as autoridades caiam não apenas sobre os rebeldes, mas também sobre os circunstantes. Os últimos cooperadores desfazem parcialmente o trabalho dos anteriores. Em tempo de guerra todos insistam em entrar para o exército, de modo que não fique ninguém trabalhando nas indústrias que são vitais para o esforço de guerra. Pior se todos cooperarem do que se ninguém o fizer. Podemos imaginar que após uma festa haja uma grande quantidade de lixo no gramado, e que todos se precipitem para recolhê-lo, pisoteando o gramado no processo.

Os problemas de ação coletiva surgem porque é difícil conseguir que as pessoas cooperem para seu benefício mútuo. As soluções podem ser centralizadas ou descentralizadas, dependendo de requererem indução e força externamente impostas. Soluções descentralizadas são mais básicas que as centralizadas, uma vez que assegurar a concordância com uma instituição central é em si mesmo um problema de ação coletiva. Quando a cooperação universal é indesejável, é difícil determinar por meio de uma solução descentralizada quem vai cooperar. Nesses casos, uma solução centralizada pode ser necessária.

As soluções descentralizadas podem ocorrer por uma variedade de motivações individuais: auto-interesse, altruísmo, normas sociais ou alguma combinação. Há dois equívocos: acreditar que exista uma motivação privilegiada e acreditar que cada instância da cooperação pode ser explicada por uma única motivação. O auto-interesse poderia parecer uma motivação improvável, uma vez que o problema de ação coletiva é definido em parte, pela cláusula de que não é egoisticamente racional cooperar. Num problema isolado isso é efetivamente verdadeiro, mas por vezes repetidas pode estar em seu auto-interesse cooperar, por esperança de reciprocidade, medo de retaliação ou ambos.

É possível que a maior parte da cooperação seja devida a motivações não-egoísticas de uma espécie ou de outra. Tipicamente, várias motivações coexistem e reforçam umas às outras. Alguns são kantianos: querem fazer aquilo que seria melhor se todos o fizessem. Alguns são utilitaristas: querem promover o bem comum. Alguns são motivados pela norma da eqüidade: eles não querem andar de carona na cooperação dos outros, mas também não querem cooperar quando poucos outros o fazem. Os kantianos poderiam agir como gatilho ou catalisador para o comportamento utilitarista, e os utilitaristas como multiplicador para os kantianos. A reação em cadeia pode continuar em frente até a cooperação universal ou parar antes dela. Quase nada é conhecido sobre a distribuição dessas motivações na população e o modo pelo qual elas interagem para produzir cooperação descentralizada.

Uma instituição apresenta como se fora duas faces. Parece agir, escolher e decidir como se fora um grande indivíduo, mas também é criada e formada por indivíduos. Cada face merece atenção. Embora a última seja mais fundamental, começo com a primeira face, mais familiar. Para esse propósito, uma instituição pode ser definida como um mecanismo de imposição de regras. As regras governam o comportamento de um grupo bem definido de pessoas, por meio de sanções externas, formais. O contraste aqui implicado é com as normas sociais, que impõem regras por meio de sanções externas, informais, e com regras internalizadas.

As instituições nos afetam entre outras, forçando-nos ou induzindo-nos a agir de certas maneiras, forçando-nos a financiar atividades pelas quais não pagaríamos de outro modo, capacitando-nos a fazer coisas que não poderíamos fazer de outro modo, por tomar mais difícil para nós fazer coisas do que seria de outro modo e mudando o contexto das negociações entre partes privadas. Quando as instituições afetam o bem-estar das pessoas, podem deixar todos em melhor situação, deixar alguns em melhor situação à custa de outros ou deixar todos em situação pior. As instituições podem produzir cinco tipos de efeitos. Algumas ações institucionais são puramente eficientes: fazem com que todos fiquem melhor. Alguns são puramente redistributivos: transferem renda sem qualquer desperdício. Outras ações alcançam a redistribuição ao custo de certo desperdício. Outros ainda alcançam a eficiência com prejuízo do objetivo redistributivo. E alguns, finalmente, são puramente destrutivos, deixando todos em situação pior.

Esses efeitos podem ser intencionais ou não-intencionais. Às vezes o objetivo é frustrado porque a instituição não antecipa os efeitos de segunda e terceira ordem de suas ações. Ou a instituição podia não antecipar que os indivíduos se adaptam estrategicamente às suas ações, como sua falha em antecipar a quebra na produção causada por um novo imposto. Outro exemplo da crença ingênua de que indivíduos regulados por uma lei irão continuar a comportar-se como se não fossem regulados.

As instituições podem deixar todos em situação melhor resolvendo problemas de ação coletiva. Um sindicato pode induzir os trabalhadores a aderir e seguir ordens de greve. Para superar a propensão dos cidadãos a pegar carona, o estado pode forçá-los a pagar impostos e usar a renda para produzir bens públicos. Alternativamente, pode forçá-los ou induzi-los a agir cooperativamente. Se uma grande multa é imposta por comportamento não-cooperativo, os cooperadores sempre se sairão melhor que os não-cooperadores. A cooperação é uma estratégia dominante.

Estive dizendo que as instituições "fazem" ou "pretendem", isso ou aquilo, mas falando estritamente, isso é bobagem. Apenas indivíduos podem agir e pretender. Se pensarmos em instituições como indivíduos em grande escala e esquecermos que as instituições são compostas de indivíduos com interesses divergentes, podemos ficar irremediavelmente perdidos. As noções, particularmente, de "vontade popular", o "interesse nacional" e o "planejamento social" devem sua existência a essa confusão.

Uma instituição pode ser dirigida em linhas ditatoriais ou democráticas. No primeiro caso, a instituição tem uma "vontade" e um "interesse", embora, como veremos, possa não ser fácil executá-los. No outro caso, mais interessante, não é claro como a vontade ou o interesse da instituição devem ser definidos. Ora, se há uma alternativa que todos acreditem a melhor, a escolha dessa opção pode plausivelmente ser chamada expressão da vontade popular. Em política, entretanto, a unanimidade é a exceção.

Um indivíduo geralmente sabe o que quer, uma sociedade não sabe. Um indivíduo geralmente pode fazer o que decidiu fazer; a sociedade não pode. Para o indivíduo não há brecha entre a decisão e a execução. Uma instituição, por contraste, deve depender de indivíduos com interesses próprios. As decisões institucionais são facilmente defletidas e distorcidas por comportamento em benefício próprio dos agentes que devem executá-las. Para fazer frente a essas tendências, pode-se colocar a confiança no desenho institucional. Essas soluções tendem a criar seus próprios problemas. Em geral; qualquer mecanismo que seja designado a detectar e agir contra a formação de ferrugem na máquina institucional é por si mesmo sujeito à ferrugem.

É possível que a variação em corrupção entre países possa ser explicada em grande parte pelo grau de espírito público de seus funcionários, não pela inteligência do desenho institucional. A moralidade e as normas sociais parecem contar mais que o auto-interesse esclarecido. Os desejos importam mais que as oportunidades. Em qualquer caso, é óbvio que as instituições não são entidades monolíticas com as quais se possa contar para transmitir e então executar decisões do alto. Falar sobre instituições é apenas falar sobre indivíduos que interagem uns com os outros e com pessoas de fora das instituições. Seja qual for o resultado da interação, ela deve ser explicada em termos dos motivos e oportunidades desses indivíduos.

Marcos Katsumi Kay – N1

quarta-feira, 9 de abril de 2008

ELSTER, Jon. Peças e Engrenagens das Ciências Sociais. (capítulos X, XII)

ELSTER, Jon. Peças e Engrenagens das Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994 (capítulos X, XII).
Estrutura: X. Conseqüências não-intencionais. XII. Normas sociais.
Resumo:

As coisas nem sempre saem como esperamos que saiam. Muitos eventos ocorrem não-intencionalmente. Como na memorável frase de Adam Ferguson, "A História é o resultado da ação humana, não do desígnio humano". Seu contemporâneo, Adam Smith, referiu-se a uma "mão invisível" que molda os assuntos humanos. O tema das conseqüências não-intencionais da ação foi uma das duas preocupações centrais das ciências sociais emergentes nesse período, sendo a outra a visão da sociedade como uma unidade orgânica. Essas duas imagens ainda estão conosco. Por um lado, há a idéia de ações individuais interferindo uma com a outra para produzir um resultado não pretendido. Por outro lado, há a idéia de ajustamento mútuo entre planos individuais, permitindo que todos sejam desenvolvidos sem distorção.

Das conseqüências não-intencionais que ocorrem, temos um exemplo famoso na teoria econômica da "teia". Se os produtores, esperando um preço, oferecerem mais que consumidores irão comprar por esse preço, a competição entre os produtores irá forçar o preço para baixo até que o mercado se aclare. Se oferecerem menos do que os consumidores irão comprar, a competição entre consumidores irá forçar o mercado para cima até que o mercado se aclare. Os preços e os faturamentos são alternadamente mais altos e mais baixos do que os esperados. O resultado esperado nunca ocorre. Conseqüências não-intencionais mais surpreendentes pioram a situação para todos. Jean-Paul Sartre referiu-se a isso como “contrafinalidade", usando a erosão como exemplo. Mas as conseqüências não-intencionais também podem deixar todos em situação melhor. Essa é a mão invisível de Adam Smith: a perseguição do auto-interesse serve ao interesse comum. Se o efeito secundário é positivo, temos um mecanismo de mão invisível, Se o efeito é negativo, há duas possibilidades. Ou a soma total dos muitos pequenos danos excede o benefício primário (isso é contrafinalidade), ou o benefício primário excede o dano cumulativo. Todos saem beneficiados ao agir do modo especificado, porém; menos beneficiados do que esperavam.

Um antigo enigma na filosofia da explicação social é se as conseqüências não-intencionais podem entrar na explicação da ação ou ações que as causaram. Em um sentido óbvio, não podem. A variação casual com seleção subseqüente é um modo pelo qual isso poderia acontecer. Na vida social, a seleção artificial, e não a natural, é o mecanismo mais plausível. O reforço proporciona outro mecanismo pelo qual as conseqüências não-intencionais poderiam explicar a persistência do comportamento que as causa.

Quando os sociólogos explicam o comportamento por conseqüências não-intencionais, geralmente não têm em mente nem a seleção e nem o reforço. Infelizmente, é difícil dizer o que eles têm em mente. Um exemplo muito discutido é a dança da chuva executada em certas sociedades. Dizer que a função do ritual é manter a coesão social é dizer mais do que dizer que o ritual tem esse efeito. E afirmar que o efeito explica o ritual. Um outro exemplo. Se descobrimos que a maioria das organizações existentes permitem o conflito, a explicação é que as que não o permitem são instáveis e estarão fortemente representadas na população de organizações. O argumento não explicaria por que uma organização qualquer em particular permite o conflito, mas explicaria porque uma maioria delas o faz. E explicaria esse fato em termos de uma conseqüência não-intencional e útil do conflito.

A ação orientada por normas sociais não é orientada por resultados. As normas sociais mais simples são do tipo "faça X" ou “não faça X”. Para que tais normas sejam sociais, elas devem ser compartilhadas por outras pessoas e em parte sustentadas por sua aprovação e desaprovação. Tipicamente são também sustentadas pelas emoções que se desencadeiam quando as normas são violadas: embaraço, culpa e vergonha no violador; raiva e indignação nos observadores. Muitas vezes uma norma para se fazer X é acompanhada por uma norma de nível mais elevado para punir aqueles que violam a norma de primeira ordem.

A caracterização das normas sociais é controversa. Abordarei a questão de se as normas sociais servem a um propósito ulterior, isto é, se em algum sentido são úteis para o indivíduo ou para a sociedade. Quando são, não deveríamos concluir sem maiores argumentações, que elas existem porque servem àquele propósito.

Algumas normas são um pouco como convenções. Outras normas sociais assumem a forma de códigos de honra. Numa rusga entre duas pessoas guiadas pelo código, ambas poderão sair-se pior do que se tivessem concordado em deixar que o sistema legal resolvesse seu conflito. Há normas regulando o que o dinheiro pode comprar. Um importante conjunto de normas diz às pessoas para cooperarem em situações do tipo Dilema do Prisioneiro. As normas para votar são um exemplo importante entre muitos outros. Às vezes as pessoas invocam uma norma social para racionalizar o auto-interesse. O manipulador de normas em perspectiva também é constrangido pela necessidade de ser consistente. Mesmo que a norma não tenha controle sobre sua mente, ele deve agir como se tivesse. Tendo invocado a norma de reciprocidade em uma ocasião, não posso simplesmente ignorá-la quando minha mulher apela para a mesma em outra ocasião.

É tempo de encarar uma objeção óbvia ao meu relato sobre as normas e, em particular, à declaração de que o comportamento guiado por normas não é orientado para resultados. Quando as pessoas obedecem a normas, com freqüência têm um resultado particular em mente: desejam evitar a desaprovação de outras pessoas. O comportamento guiado por normas é apoiado pela ameaça de sanções sociais que torna racional obedecer a normas. Em resposta a esse argumento podemos observar primeiro que normas não necessitam de sanções externas para serem efetivas. Quando as normas são internalizadas, são seguidas mesmo que a violação seja inobservada e não exposta a sanções. A vergonha ou antecipação da mesma é uma sanção interna suficiente.

Precisamos perguntar também por que as pessoas iriam sancionar outras por violarem normas. O que ganham com isso? Uma resposta poderia ser que se elas não exprimirem sua: desaprovação da violação, elas próprias serão o alvo da desaprovação de terceiros. Ora, exprimir desaprovação é sempre caro, seja qual for o comportamento alvo. Como mínimo absoluto, exige energia e atenção que poderiam ser usadas para outros fins. Conseqüentemente, algumas sanções devem ser executadas por motivos diferentes que o medo de ser sancionado.

Mesmo que as conseqüências não sejam parte da motivação próxima do comportamento guiado por normas, elas ainda poderiam entrar na explicação das normas. As normas poderiam existir porque são úteis ou para o indivíduo ou para o grupo que as segue. As regras de etiqueta, normas de como se vestir e semelhantes não parecem ter quaisquer conseqüências úteis. As normas da vingança também são ambíguas a esse respeito. As normas que regulam o papel do dinheiro são igualmente ambíguas. Mas a norma contra ostentar riqueza pode ser apenas um caso especial de urna norma de ordem mais elevada: não tente aparecer. Vamos supor que descobrimos que dada norma deixa a todos em situação melhor do que estariam sem ela. Ainda falta um grande passo até a conclusão de que a norma existe porque faz com que todos fiquem em situação melhor. A não ser que especifiquemos o mecanismo pelo qual os benefícios não-intencionais do comportamento guiado por normas sustêm a norma, essa visão é uma afirmação gratuita. As normas, no meu entender, resultam de propensões psicológicas sobre as quais sabemos pouco. Embora eu pudesse contar uma história ou duas sobre como as normas poderiam ter emergido, nada tenho a dizer sobre como realmente emergiram.

Marcos Katsumi Kay – N1

quarta-feira, 2 de abril de 2008

ELSTER, Jon. Peças e Engrenagens das Ciências Sociais. (capítulos I, II, III, IV)

ELSTER, Jon. Peças e Engrenagens das Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994 (capítulos I, II, III, IV).
Estrutura: I. Mecanismos. II. Desejos e oportunidades. III. Escolha Racional. IV. Quando a racionalidade falha.
Resumo:

O autor dá ênfase na explicação por mecanismos, oferece uma caixa de ferramentas de mecanismos que podem ser usados para explicar fenômenos sociais deveras complexos. Proposições que pretendem explicar um evento dever ser cuidadosamente distinguidas de diversos outros tipos de proposições. Primeiro, explicações causais devem ser distinguidas de proposições causais verdadeiras. Citar a causa não é suficiente: o mecanismo causal também deve ser proporcionado, ou ao menos sugerido. Segundo, as explicações causais devem ser distinguidas de afirmações sobre correlação. Às vezes estamos em posição de dizer que um evento de certo tipo é invariavelmente ou usualmente seguido por um evento de outra espécie. Isso não nos permite dizer que eventos do primeiro tipo causam eventos do segundo, porque há outra possibilidade: os dois poderiam ser efeitos comuns de um terceiro evento. Terceiro, explicações causais devem ser distinguidas de afirmações sobre necessitação. Explicar um evento é fazer um relato de por que este aconteceu como aconteceu. O fato de que poderia ter acontecido de alguma outra maneira, e teria acontecido de alguma outra maneira se não tivesse acontecido como aconteceu. Quarto, as explicações causais devem ser distinguidas do contar histórias. Uma explicação genuína dá conta do que aconteceu, como aconteceu. Contar uma história é dar conta do que aconteceu como poderia ter acontecido (e talvez tenha acontecido). Finalmente, explicações genuínas devem ser distinguidas de predições. Às vezes podemos explicar sem sermos capazes de predizer, e às vezes predizer sem sermos capazes de explicar. Vários mecanismos podem levar ao mesmo desenlace, de modo que para propósitos de predição não há necessidade de decidir entre eles; no entanto, para propósitos explicativos o que importa é o mecanismo. Esta é uma razão para enfatizar mecanismos e não leis. Leis, por natureza, são gerais e não sofrem exceções. Não se pode ter uma lei para o efeito de que “se p, então algumas vezes q”. Os mecanismos, por contraste, não tem pretensão à generalidade.

A unidade elementar da vida social é a ação humana individual. Explicar instituições sociais e a mudança é mostrar como elas surgem como resultado da ação e interação de indivíduos. As ações individuais, elas próprias, necessitam de explicação. Um esquema simples de explicar uma ação é vê-la como resultado final de duas operações filtradoras sucessivas: oportunidades e desejos (escolha racional e normas sociais, mas o autor se concentra aqui na primeira), pelo que as pessoas podem fazer e pelo que querem fazer.

Muito da ciência social consiste em variações interminavelmente elaboradas sobre o tema das oportunidades e desejos. O autor busca impor algo de estrutura nessa variedade de práticas. Nem sempre se precisa apelar tanto para oportunidades como para preferências, às vezes a coerção é tão forte que não é deixado espaço para que o segundo filtro opere. Outro aspecto é que as oportunidades são mais básicas que os desejos: são mais fáceis de observar. Se cada lado planeja com base nas capacidades do outro lado e sabe que o outro lado está fazendo o mesmo, suas verdadeiras preferências podem não importar muito. Ainda comumente é mais fácil mudar as circunstâncias e oportunidades das pessoas do que mudar suas opiniões.

Mas os desejos e oportunidades podem tanto variar independentemente como serem influenciados por um terceiro fator ou influenciar diretamente uns aos outros. O terceiro fator pode influenciar ambos no mesmo sentido ou em sentidos opostos. Oportunidades podem influenciar desejos fazendo as pessoas desejarem apenas o que podem conseguir. No mecanismo oposto, o desejo pode expandir o conjunto de oportunidades (o autor não cita exemplos) ou restringir. Ainda neste último, duas razões são citadas: o caso de Ulisses e as sereias ou do exército que, não estando interessado na guerra, avança para forçar o inimigo a negociar e, assim, obter um resultado melhor do que perder terreno.

Falando estritamente, há algo de incongruente em explicar uma ação em termos de oportunidades e desejos. O que explica a ação são os desejos juntamente com suas crenças a respeito das oportunidades. Como as crenças podem estar equivocadas, a distinção não é trivial. A pessoa pode deixar de perceber certas oportunidades ou acreditar que opções não-exeqüíveis são exeqüíveis, o que pode ser um desastre.

Uma ação, para ser racional, deve ser o resultado de três decisões ótimas. Primeiro, deve ser o melhor modo de realizar o desejo de uma pessoa, dadas suas crenças. Depois, essas crenças devem ser elas mesmas ótimas, dadas as evidências disponíveis à pessoa. Finalmente, a pessoa deve reunir uma quantidade ótima de evidência – nem demais nem de menos. Essa quantidade depende tanto de seus desejos – da importância que atribui à decisão – como de suas crenças relativas aos custos e benefícios de reunir mais informação.

A teoria da escolha racional pode falhar através da indeterminação. Em geral há duas formas de indeterminação. Pode haver diversas ações que sejam igual e otimamente boas. Ou pode não haver nenhuma ação que seja ao menos tão boa como todas as demais. Se há várias ações entre as quais nenhuma é melhor, posso ser incapaz de dizer qual delas prefiro e também incapaz de dizer que elas são igualmente boas. Isso é incomensurabilidade, não indiferença. Decisões importantes com freqüência envolvem opções incomensuráveis. O que acontece com freqüência em tais casos é que considerações periféricas se movem para o centro. Em minha ignorância a respeito da primeira casa decimal, se minha vida será melhor como advogado ou engenheiro, eu me volto para a segunda.

As crenças são indeterminadas quando a evidência é insuficiente para justificar um julgamento sobre a probabilidade dos vários resultados da ação. Isso pode acontecer de duas maneiras principais: através da incerteza, especialmente sobre o futuro, e através da interação estratégica. Cada empresa deve investir muito se e apenas se as outras investirem pouco. Não há base aqui para formação de crença racional, e conseqüentemente, não há base firme para a ação.

Quando a escolha racional é indeterminada, algum outro mecanismo deve preencher a brecha. De modo mais geral, não temos uma teoria do que as pessoas fazem quando gostariam de agir racionalmente mas a escolha racional é indeterminada. Uma coisa que fazemos às vezes é negar a indeterminação. Os seres humanos têm um forte desejo de ter razões para o que fazem e acham difícil aceitar a indeterminação. Continuam em frente até que encontram a decisão que teria sido ótima caso encontrada instantânea e gratuitamente, ou decidem na base da segunda casa decimal, práticas que representam uma crença irracional no poder da racionalidade. A primeira tarefa de uma teoria de escolha racional é ser clara sobre seus próprios limites.

Outras causas de falha podem se derivar de crenças irracionais como a tendência a acreditar que os fatos são como a pessoa gostaria que fossem, sem qualquer interferência das paixões como a ignorância sobre princípios elementares de inferência estatística e finalmente nossas vidas podem ir mal porque nossos desejos são irracionais. Parece mais razoável o método de planejamento racional advogado pelo budismo, pelos estóicos e por Espinoza: cultivar deliberadamente o lado bom do que podemos obter e tentar reduzir a intensidade de nosso desejo pelo que não podemos conseguir.

Marcos Katsumi Kay – N1