quarta-feira, 28 de maio de 2008

BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 135-165.

BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 135-165.
Estrutura: IV. Democracia e ditadura. 1. A democracia na teoria das formas de governo. 2. O uso descritivo. 3. O uso prescritivo. 4. O uso histórico. 5. A democracia dos modernos. 6. Democracia representativa e democracia direta. 7. Democracia política e democracia social. 8. Democracia formal e democracia substancial. 9. A ditadura dos antigos. 10. A ditadura moderna. 11. A ditadura revolucionária.
Resumo:

1. A democracia na teoria das formas de governo. O conceito de democracia pertence a um sistema de conceitos, que constitui a teoria das formas de governo, ele não pode ser compreendido em sua natureza específica senão em relação aos demais conceitos do sistema. Considerar o conceito de democracia como parte de um sistema mais amplo de conceitos permite dividir o tratamento seguindo os diversos usos.

2. O uso descritivo. Em seu uso descritivo ou sistemático, uma teoria das formas de governo resolve-se na classificação e portanto na tipologia das formas de governo que historicamente existiram, construída à base da determinação daquilo que as une e daquilo que as diferencia numa operação não diversa da do botânico que classifica plantas ou do zoólogo que classifica animais.

3. O uso prescritivo. Em seu uso prescritivo ou axiológico, uma teoria das formas de governo comporta uma série de juízos de valor à base dos quais as várias constituições são não apenas alinhadas uma ao lado da outra mas dispostas conforme uma ordem de preferência, segundo a qual uma é julgada boa e a outra má, uma ótima e a outra péssima, uma melhor ou menos má do que a outra e assim por diante.

4. O uso histórico. Pode-se falar de uso histórico de uma teoria das formas de governo quando dela nos servimos não só para classificações, não só para recomendar, mas também para descrever os vários momentos sucessivos do desenvolvimento histórico considerado como uma passagem obrigatória de uma forma a outra. Quando o uso prescritivo e o uso histórico são ligados, como acontece com freqüência, a descrição das diversas fases históricas resolve-se numa teoria do progresso ou do regresso, conforme esteja a forma melhor, no final ou no princípio do ciclo.

5. A democracia dos modernos. Escreve Madison: "Os dois grandes elementos de diferenciação, entre uma democracia e uma república são os seguintes: em primeiro lugar, no caso desta última, há uma delegação da ação governativa a um pequeno número de cidadãos eleitos pelos outros; em segundo lugar, ela pode ampliar a sua influência sobre um maior número de cidadãos e sobre uma maior extensão territorial". Desta passagem emerge a firme opinião de que existe um nexo entre Estado representativo (ou república) e dimensão do território, e que portanto a única forma não autocrática de governo possível num grande Estado é o governo por representação.

6. Democracia representativa e democracia direta. A consolidação da democracia representativa, porém, não impediu o retomo à democracia direta. embora sob formas secundárias. Ao contrário, o ideal da democracia direta como a única verdadeira democracia jamais desapareceu, tendo sido mantido em vida por grupos políticos radicais que sempre tenderam a condenar democracia representativa não como uma inevitável adaptação do princípio da soberania popular às necessidades dos grandes Estados, mas como um condenável ou errôneo desvio da idéia originária do governo do povo, pelo povo e através do povo.

7. Democracia política e democracia social. O processo de alargamento da democracia na sociedade contemporânea não ocorre apenas através da integração da democracia representativa com a democracia direta, mas também, e sobretudo, através da extensão da democratização - entendida como instituição e exercício de procedimentos que permitem a participação dos interessados nas deliberações de um corpo coletivo. Hoje quem deseja ter um indicador do desenvolvimento democrático de um país deve considerar não mais o número de pessoas que têm direito de votar, mas o número de instâncias diversas daquelas tradicionalmente políticas nas quais se exerce o direito de voto. Não “quem vota” mas “onde se vota”.

8. Democracia formal e democracia substancial. A linguagem política moderna conhece também o significado de democracia como regime caracterizado pelos fins ou valores em direção aos quais um determinado grupo político tende e opera. O princípio destes fins ou valores, adotado para distinguir não mais apenas formalmente mas também conteudisticamente um regime democrático de um regime não democrático, é a igualdade, não a igualdade jurídica introduzida nas Constituições liberais mesmo quando estas não eram formalmente democráticas, mas a igualdade social e econômica (ao menos em parte). Assim foi introduzida a distinção entre democracia formal, que diz respeito precisamente à forma de governo, e democracia substancial, que diz respeito ao conteúdo desta forma. Pode ocorrer historicamente uma democracia formal que não consiga manter as principais promessas contidas num programa de democracia substancial e, vice-versa, uma democracia substancial que se sustente e se desenvolva através do exercício não democrático do poder.

9. A ditadura dos antigos. Tanto quanto tirania, despotismo e autocracia, também "ditadura" é um termo que nos vem da antigüidade clássica. Mas à diferença destes últimos, teve originariamente e durante séculos uma conotação positiva. A exorbitância do poder do ditador era contrabalançada pela sua temporaneidade: o ditador era nomeado apenas para a duração do dever extraordinário que lhe fora confiado, não maior do que a permanência em cargo do cônsul que o havia nomeado. O ditador era portanto um magistrado extraordinário mas legítimo pois sua instituição era prevista pela constituição e seu poder justificado pelo estado de necessidade. Em poucas palavras, as características da ditadura romana eram a) estado de necessidade com respeito à legitimação; b) plenos poderes com respeito à extensão do comando; c) unicidade do sujeito investido do comando; d) temporaneidade do cargo.

10. A ditadura moderna. Na idade moderna, na idade das grandes revoluções, o conceito de ditadura foi estendido ao poder instaurador da nova ordem, isto é, ao poder revolucionário que, como tal, para falar com Maquiavel, desfaz as velhas ordens para novas fazer. A tarefa que lhe é atribuída ou que ela se atribui é muito mais vasta: não é mais a de remediar uma crise parcial do Estado, como pode ser uma guerra externa ou uma insurreição, mas sim a de resolver uma crise total, uma crise que põe em questão a existência mesma de um determinado regime. Como caso exemplar deste segundo tipo de ditadura pode ser recordado o da Convenção nacional que decide, a 10 de outubro de 1793, suspender a Constituição daquele mesmo ano (que não voltará mais a ter vigor) e estabelece que o governo provisório seja "revolucionário" até que se tenha alcançado a paz. Com respeito à ditadura clássica, a ditadura jacobina não é mais uma magistratura monocrática, em que pese a personalidade de Robespierre, mas é a ditadura de um grupo revolucionário. A dissociação entre o conceito de ditadura e o conceito de poder monocrático deve ser sublinhada. Porém, característica distintiva mais importante entre ditadura clássica e ditadura moderna está na extensão do poder, que não está mais apenas circunscrito à função executiva, mas se estende à função legislativa e inclusive à constituinte.

11. A ditadura revolucionária. Uma das tarefas que Buonarroti atribui ao governo revolucionário dos "sábios" consiste em preparar a nova constituição que deverá concluir a base revolucionária, mostrando deste modo, para além de qualquer dúvida, que a característica saliente da ditadura revolucionária é o exercício do poder soherano por excelência que é o poder constituinte. A idéia dá ditadura revolucionária como governo provisório e temporâneo imposto por circunstâncias excepcionais, passou na teoria e na prática de Blanqui, mas não na teoria política de Marx, que falou de ditadura do proletariado no sentido de dominação de uma classe e não de um comitê e muito menos de um partido, e portanto não no sentido tradicional de forma típica de exercício de poder, não naquele sentido que o termo tinha substancialmente conservado na passagem da ditadura clássica à moderna.

Marcos Katsumi Kay – N1

quarta-feira, 21 de maio de 2008

DAHL, Robert A. Poliarquia. São Paulo: Edusp, 1997.

DAHL, Robert A. Poliarquia. São Paulo: Edusp, 1997.
Estrutura. I. Democratização e oposição pública. II. Qual a importância da Poliarquia? III. Seqüências históricas. X. A teoria: resumo e qualificações.
Resumo:

Regime fechado é o oposto de uma poliarquia, que seria constituída por um alto grau de 1. competição pelo poder político e uma 2. grande parcela da população participando das decisões tomadas por este poder político. A democracia pressupõe 1. um governo responsivo em relação a seus cidadãos, estes politicamente iguais, constitui-se num sistema ideal; 2. os cidadãos são detentores de oportunidade plenas de: a. formular preferências; b. expressar suas preferências; c. serem contemplados em suas preferências institucionalmente, sendo que tais instituições deverão fornecer à sociedade 8 garantias para que estas oportunidades abarquem o maior número de pessoas possíveis; e 3. a conexão entre garantias e oportunidades são evidentes.

As oito garantias: 1. liberdade de formar e aderir a organizações; 2. liberdade de expressão; 3. direito de voto; 4. elegibilidade para cargos públicos; 5. direito de líderes políticos disputarem apoio e votos; 6. garantia de acesso a fontes alternativas de informação; 7. eleições livres e idôneas; 8. instituições para fazer com que as políticas governamentais dependam de eleições e de outras manifestações de preferência. Numa escala construída com base nestas garantias para a efetivação das oportunidades será possível uma análise comparada entre regimes, dividida em duas dimensões. Considerando estas duas dimensões, a da competição política e da inclusividade nela permitida, o direito ao voto pertence a ambas. Tendo direito ao voto somente alguns dos cidadãos, isto poderá levar a uma maior contestação política; o aumento, no entanto, do número de cidadãos portadores de tal direito significa um regime mais inclusivo. Ainda assim, vê a variação destas duas dimensões como relativamente independentes entre si no curso da história, mostrando exemplos em que uma dimensão tenha se desenvolvido anteriormente a outra.

O caminho para poliarquias não é inevitável, suas condições não são comuns e nem fáceis de se criar como pode-se concluir ao se ter em mente as variáveis citadas até agora. São antes frutos de um processo freqüentemente frágil e dependente de sete condições principais, quais sejam: 1. seqüências históricas, 2. grau de concentração na ordem sócio-econômica, 3. nível de desenvolvimento sócio-econômico, 4. desigualdade, 5. clivagens sub-culturais, 6. controle estrangeiro e 7. crenças de ativistas políticos.

É mais democrático um regime que seja menos inclusivo e mais tolerante à contestação do que a contestação sendo restrita ou inexistente ainda que a inclusão seja praticamente plena. A participação apenas legitima a administração de políticas que já foram deliberadas, não há espaço para que se conteste de fato os abusos por parte do regime nem que se lhes dê outro rumo. Com um alto poder de manipulação, na medida em que se restringem, por exemplo, fontes alternativas de informação, uma população poderá muito bem não estar fazendo pleno uso de suas faculdades decisórias e sim apenas outorgando aquilo que lhes é imposto.

A análise é limitada na medida em que sua escala é classificatória e não relacional podendo por isso desconsiderar algumas nuanças. Assim faz a escolha por uma terminologia mais adequada à realidade que seja a da poliarquia em detrimento da democracia já que esta jamais teria se concretizado plenamente. Seus limites práticos estariam expressos no esquema classificatório entre: 1. hegemonias fechadas, regimes em que o poder não seja disputado e a participação política limitada; 2. hegemonias inclusivas, regimes sem disputas de poder mas com ampliação da participação política; 3. oligarquias competitivas, regimes com disputas de poder e participação política limitada; 4. poliarquias, regimes com disputas de poder e ampliação da participação política. Estas quatro classificações expressam as linhas gerais de regimes discutidos pela analise de suas transformações. Elas seriam casos extremos em que a região média entre eles conteria provavelmente a maior parte dos regimes existentes. Os termos devem então ser considerados como úteis, ainda que arbitrários.

Que condições favorecem ou desfavorecem a democratização de um regime hegemônico? O que aumentam as chances de contestação política neste regime? O que favorece a constituição de uma poliarquia, ou seja, de um regime competitivo e inclusivo? Qualificações. 1. É preciso considerar a democratização como um processo histórico. No caso do ocidente, o percurso recorrente foi de oligarquias competitivas para poliarquias, ou quase-poliarquias.

Hipóteses. 1. O avanço da poliarquia aumenta o número de indivíduos, grupos e interesses cujas preferências deverão ser levadas em conta nas decisões políticas. Isso abre precedentes para que haja conflito no poder e também que os grupos que o detêm sejam substituídos. Quanto maior o conflito maior será o esforço de cada parte em negar à outra a oportunidade de participação nas decisões políticas e, assim, maiores serão as dificuldades para a tolerância. 2. Quanto maior o conflito maior a tendência dos governos restringirem a participação de seus opositores na política. A tolerância entre as partes será mais difícil na medida em que se tenha um maior conflito e com a oposição, precisando do controle do estado para suprimir os governantes.

Axiomas. 1. A diminuição dos custos da tolerância propicia uma maior chance de sua efetivação para com a oposição por parte do governo. Suprimir a oposição pode também ser muito custoso, ou melhor, ter graves conseqüências para o governo e sua estabilidade. É preciso levar isso em consideração para contra balancear com os custos da tolerância. 2. Um governo será tolerante com altos custos de supressão. Desta forma sistemas poliárquicos dependem de um novo axioma. 3. Com custos da supressão maiores que os da tolerância, maior a possibilidade de um regime competitivo. Tolerância menos custosa significa maior segurança para o governo. Supressão mais custosa significa maior segurança para a oposição. É preciso, portanto, caminhar para um sistema de garantias mútuas e com alto grau de contestação e participação.

Como garantir uma segurança mútua entre governo e oposição? Qual a importância da poliarquia? A argumentação sobre o caminho para uma poliarquia pode ser sintetizada em quatro proposições: 1. O primeiro caminho é mais passível do que os outros de produzir o grau de segurança mútua exigido para um regime estável de contestação pública. 2. Mas o primeiro caminho já não está aberto para à maioria dos países com regimes hegemônicos. 3. Daí que a liberalização de quase-hegemonias correrá um sério risco de fracassar devido às dificuldades, sob as condições de sufrágio universal e política de massa, de construir um sistema de segurança mútua. 4. O risco de fracasso pode ser reduzido, porém seus passos no sentido da liberalização forem acompanhados de uma busca dedicada e transparente de um sistema viável de garantias mútuas;

A argumentação sobre processo de inauguração de uma poliarquia pode ser resumida nas seguintes proposições: 1. O processo de inauguração mais auspicioso para uma poliarquia é o que transforma formas e estruturas hegemônicas legítimas nas formas e estruturas adequadas à competição política, evitando assim produzir clivagens duradouras ou dúvidas generalizadas sobre a legitimidade do novo regime. 2. O processo inaugural mais passível de levar a este resultado é a evolução pacífica no interior de um Estado-nação independente ou de uma nação quase-independente que alcance a independência sem um movimento de independência nacional. 3. O processo de inauguração menos auspicioso para uma poliarquia é o que deixa um grande segmento do corpo de cidadãos contrário à legitimidade da política competitiva. 4. Este resultado é provável quando uma poliarquia é inaugurada por uma guerra civil ou revolução em que um grande segmento da população, que sustenta a legitimidade do velho regime ou nega a legitimidade do novo, é derrotado, mas ainda assim incorporado como cidadãos no novo regime. 5. No futuro, as principais opções disponíveis são a evolução ou a revolução no interior de um Estado-nação já independente. 6. A presença de modelos de poliarquia e de hegemonias de partido único, no mundo, provavelmente tem um impacto no processo de inauguração de regimes, mas seus efeitos são imprevisíveis. No mínimo, sua presença provavelmente eleva as expectativas de que os regimes podem ser rapidamente transformados em qualquer direção. 7. A transformação de regimes hegemônicos em poliarquias provavelmente vai continuar sendo um processo lento, medido em gerações. 8. A extensão do processo provavelmente pode ser reduzida e as perspectivas de uma transformação estável aumentam se os processos inaugurais forem acompanhados pela busca de um sistema interno de segurança mútua.

Marcos Katsumi Kay – N1

quarta-feira, 14 de maio de 2008

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico.
Estrutura: Sobre o poder simbólico. 1. O poder simbólico como estruturas estruturantes. 2. O poder simbólico como estruturas estruturadas. 3. As produções simbólicas como instrumentos de dominação. 4. Os sistemas ideológicos que os especialistas produzem para a luta pelo monopólio da produção ideológica legítima sendo instrumentos de dominação estruturantes.
Resumo:

No entanto, num estado do campo em que se vê o poder por toda a parte, como em outros tempos não se queria reconhecê-lo nas situações em que ele entrava pelos olhos dentro, não é inútil lembrar que - sem nunca fazer dele, numa outra maneira de o dissolver, uma espécie de «círculo cujo centro está em toda parte e em parte alguma» - é necessário saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais completamente ignorado, portanto, reconhecido: o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem.

Os sistemas simbólicos, como instrumentos de conhecimento e de comunicação, só podem exercer um poder estruturante porque são estruturados. O poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnoseológica: o sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundo social) supõe aquilo a que Durkheim chama o conformismo lógico, quer dizer, «uma concepção homogênea do tempo, do espaço, do número, da causa, que torna possível a concordância entre as inteligências». Os símbolos são os instrumentos por excelência da «integração social»: enquanto instrumentos de conhecimento e de comunicação. Eles tornam possível o consenso acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a reprodução da ordem social: a integração lógica é condição da integração moral.

É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os «sistemas simbólicos» cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra (violência simbólica) dando o reforço da sua própria força às relações de força que as fundamentam e contribuindo assim, segundo a expressão de Weber para a «domesticação dos dominados».

As diferentes classes e frações de classes estão envolvidas numa luta propriamente simbólica para imporem a definição do mundo social mais conforme aos seus interesses, e imporem o campo das tomadas de posições ideológicas reproduzindo em forma transfigurada o campo das posições sociais. Elas podem conduzir esta luta quer discretamente, nos conflitos simbólicos da vida quotidiana, quer por procuração, por meio da luta travada pelos especialistas da produção simbólica (produtores a tempo inteiro) e na qual está em Jogo o monopólio da violência simbólica legítima, quer dizer, do poder de impor - e mesmo de inculcar - instrumentos de conhecimento e de expressão (taxinomia) arbitrários - embora ignorados como tais - da realidade social. O campo de produção simbólica é um microcosmos da luta simbólica entre as classes: é ao servirem os seus interesses na luta interna do campo de produção (e só nesta medida) que os produtores servem os interesses dos grupos exteriores ao campo de produção.

A classe dominante é o lugar de uma luta pela hierarquia dos princípios de hierarquização: as frações dominantes, cujo poder assenta no capital econômico, têm em vista impor a legitimidade da sua dominação quer por meio da própria produção simbólica, quer por intermédio dos ideólogos conservadores os quais só verdadeiramente servem os interesses dos dominantes por acréscimo, ameaçando sempre desviar em seu proveito o poder de definição do mundo social que detêm por delegação; a fração dominada (letrados ou «intelectuais» e «artistas»; segundo a época) tende sempre a colocar o capital específico a que ela deve a sua posição, no copo da hierarquia dos princípios de hierarquização.

Os «sistemas simbólicos» distinguem-se fundamentalmente conforme sejam produzidos e, ao mesmo tempo, apropriados pelo conjunto do grupo ou, pelo contrário, produzidos por um corpo de especialistas e, mais precisamente, por um campo de produção e de circulação relativamente autônomo: a história da transformação do mito em religião (ideologia) não se pode separar da história da constituição de um corpo de produtores especializados de discursos e de ritos religiosos. As ideologias devem a sua estrutura e as funções mais específicas às condições sociais da sua produção e da sua circulação, quer dizer, às funções que elas cumprem, em primeiro lugar, para os especialistas em concorrência pelo monopólio da competência considerada (religiosa, artística , etc.) e, em segundo lugar e por acréscimo, para os não-especialistas. Ter presente que as ideologias são sempre duplamente determinadas, - que elas devem as suas características mais específicas não só aos interesses das classes ou das frações de classe que elas exprimem, mas também aos interesses específicos daqueles que as produzem e à lógica específica do campo de produção.

O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a seção sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. Isto significa que o poder simbólico reside nos «sistemas simbólicos» em forma de uma «illocutionary force» mas que se define numa relação determinada - e por meio desta - entre os que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos, quer dizer, isto é, na própria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a crença. O que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de a subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja produção não é da competência das palavras.

Marcos Katsumi Kay – N1

quarta-feira, 7 de maio de 2008

WEBER, Max. Economia e sociedade. p. 139-160.

WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasilia: EdUNB, 1988, p. 139-160.
Estrutura: Os tipos de dominação. 1. A vigência da legitimidade. 2. Dominação legal com quadro administrativo burocrático. 3. Dominação tradicional. 4. Dominação carismática.
Resumo:

Chamamos "dominação" a probabilidade de encontrar obediência para ordens específicas dentro de determinado grupo de pessoas. Em cada caso individual, a dominação basear-se nos mais diversos motivos de submissão. Certo mínimo de vontade de obedecer faz parte de toda relação autêntica de dominação. No cotidiano, essas e outras relações são dominadas pelo costume e, além disso, por interesses materiais e racionais referentes a fins. Mas nem o costume ou a situação de interesses, nem os motivos puramente afetivos ou racionais referentes a valores da vinculação poderiam constituir fundamentos confiáveis de uma dominação. Normalmente, junta-se a esses fatores outro elemento: a crença na legitimidade. Nenhuma dominação contenta-se voluntariamente com motivos puramente materiais ou afetivos ou racionais referentes a valores, como possibilidades de sua permanência. Todas procuram despertar e cultivar a crença em sua "legitimidade". Dependendo da natureza legítima pretendida diferem o tipo de obediência e do quadro administrativo destinado a garanti-la, o caráter do exercício da dominação e os seus efeitos.

Há três tipos puros de dominação legítima. A vigência de sua legitimidade pode ser (1) de caráter racional, baseada na crença na legitimidade das ordens estatuídas e do direito de mando, (2) de caráter tradicional, baseada na crença cotidiana na santidade das tradições vigentes desde sempre e na legitimidade daqueles que representam a autoridade ou (3) de caráter carismático, baseada na veneração extracotidiana da santidade, do poder heróico ou do caráter exemplar de uma pessoa e das ordens por esta reveladas ou criadas. No caso da dominação baseada em estatutos, obedece-se à ordem impessoal, objetiva e legalmente estatuída e aos superiores por ela determinados, em virtude da legalidade formal de suas disposições e dentro do âmbito de vigência destas. No caso da dominação tradicional, obedece-se à pessoa do senhor nomeada pela tradição e vinculada a esta, em virtude de devoção aos hábitos costumeiros. No caso da dominação carismática, obedece-se ao líder carismaticamente qualificado como tal, em virtude de confiança pessoal em revelação, heroísmo ou exemplaridade dentro do âmbito da crença nesse seu carisma.

A dominação legal baseia-se na vigência das seguintes idéias, entrelaçadas entre si. Que todo direito pode ser estatuído de modo racional, que todo direito é um cosmos de regras abstratas normalmente estatuídas com determinadas intenções, que o senhor legal enquanto ordena obedece à ordem impessoal, que quem obedece só o faz como membro da associação e só obedece “ao direito” e não ao senhor.

O tipo mais puro de dominação legal é aquele que se exerce por meio de quadro administrativo burocrático. Somente o dirigente possui a posição de senhor, mas competências senhoriais são competências legais. O conjunto do quadro administrativo se compõe de funcionários individuais que são pessoalmente livres, só obedecem às obrigações objetivas do seu cargo, são nomeados numa hierarquia rigorosa dos cargos, tem competências funcionais fixas, selecionados segundo qualificação profissional, remunerados com salários fixos em dinheiro, exercem seu cargo como profissão única ou principal, têm a perspectiva de uma carreira, não se apropriam dos seus cargos e estão submetidos a um sistema de disciplina e controle.

Administração burocrática significa dominação em virtude de conhecimento; este é seu caráter fundamental especificamente racional.

Denominamos uma dominação tradicional quando sua legitimidade repousa na crença na santidade de ordens e poderes senhoriais tradicionais. Determina-se o senhor em virtude de regras tradicionais. O dominador não é um superior mas senhor pessoal, seu quadro administrativo não se compõe de funcionários mas de servidores pessoais, os dominados não são membros da associação mas companheiros tradicionais ou súditos, entre o quadro administrativo e o senhor é decisiva a fidelidade pessoal de servidor. É impossível, no caso do tipo puro de dominação tradicional, "criar" deliberadamente um novo direito ou novos princípios administrativos mediante estatutos. Criações efetivamente novas só podem legitimar-se, portanto, com a pretensão de terem sido vigentes desde sempre ou reconhecidas em virtude do dom de "sabedoria".

Ao quadro administrativo no tipo puro faltam a competência fixa segundo regras objetivas, a hierarquia racional fixa, a nomeação regulada por contrato livre e ascensão regulada e normalmente, a formação profissional e o salário fixo pago em dinheiro. O servidor patrimonial pode obter seu sustento: por alimentação na mesa do senhor, por emolumentos em espécie provenientes das reservas de bens do senhor, por terras funcionais, por oportunidades apropriadas de rendas taxas ou impostos e por feudos.

Denominamos “carisma” uma qualidade pessoal considerada extracotidiana e em virtude da qual se atribuem a uma pessoa poderes ou qualidades sobrenaturais ou exemplares. Sobre a validade decide o livre reconhecimento deste pelos dominados, em virtude de provas, milagres, e oriundo da entrega à revelação, da veneração de heróis ou da confiança no líder. É uma entrega crente e inteiramente pessoal nascida do entusiasmo ou da miséria e esperança.

A associação de dominação comunidade dos adeptos é uma relação comunitária de caráter emocional. O quadro administrativo não é grupo de funcionários profissionais e muito menos tem formação profissional. Não é selecionado segundo critérios de dependência doméstica ou pessoal, mas segundo qualidades carismáticas. Não há autoridades institucionais fixas, apenas emissários carismaticamente encarregados nos limites da missão senhorial e do carisma próprio.

O carisma é a grande força revolucionária nas épocas com forte vinculação à tradição. Diretamente da força também revolucionária da ratio, o carisma pode ser uma transformação com ponto de partida íntimo, a qual, nascida de miséria ou entusiasmo, significa uma modificação da direção da consciência e das ações, com orientação totalmente nova de todas as atitudes diante de todas as formas de vida e diante do “mundo” em geral. Nas épocas pré-racionalistas, a tradição e o carisma dividem entre si a quase totalidade das direções de orientação das ações.

Marcos Katsumi Kay – N1