quarta-feira, 10 de setembro de 2008

SANTOS, Fabiano. O Poder Legislativo no presidencialismo de coalizão. 2003.

SANTOS, Fabiano. O Poder Legislativo no presidencialismo de coalizão. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2003.

Estrutura: Instituições eleitorais e desempenho do presidencialismo no Brasil. Patronagem e poder de agenda na política brasileira. Partidos e comissões no presidencialismo de coalizão. Deputados federais e instituições legislativas no Brasil.

Resumo:

O sistema presidencialista de governo nasce no Brasil desprovido de uma prática de freios e contrapesos entre os diversos agentes políticos. O Executivo governava o país sem qualquer interferência do Congresso, cujos membros se elegiam no mais das vezes por obra e graça da influência dos governadores nos pleitos estaduais. Uma vez que o governo funcionava com base em um pacto entre presidente e governadores, aos congressistas, dependentes que eram dos chefes estaduais, não restava outra coisa senão seguir a orientação emanada do chefe do Executivo. Durante a República de 1946, o Brasil parte para o experimento político que mais se aproximou do que podemos chamar de um presidencialismo democrático. O desempenho do presidencialismo durante o período adequou-se razoavelmente aos princípios do governo de controles mútuos. Após expansão de sua capacidade decisória durante o domínio militar, temos a oportunidade de discutir as perspectivas de construção de um sistema de governo baseado no esquema de freios e contrapesos. Mas não teve suas prerrogativas suficientemente reduzidas.

Inúmeros textos têm chamado a atenção para o problema da autonomia excessiva dos presidentes nas novas democracias identificando no sistema eleitoral as raízes de tal problema. A traição dos princípios presidencialistas dos freios e contrapesos estaria radicada no funcionamento do sistema eleitoral. Uma corrente defende pura e simplesmente a inviabilidade do modelo institucional adotado no país, que se define pela combinação do sistema presidencialista com representação proporcional. Processos eleitorais distintos para o Executivo e o Legislativo tornam altamente instável a dinâmica política por não existir garantia que o partido do candidato presidencial eleito seja o mesmo a deter a maioria das cadeiras no parlamento. Os membros do parlamento são considerados agentes paroquiais, já que são eleitos por um sistema que estimula a competição intrapartidária e a construção de reputações individuais. Análises recentes mostram que medidas provisórias, monopólio de emissão de proposições e pedidos unilaterais de urgência favorecem o Executivo. A idéia de que o parlamento brasileiro, por ser fragmentado, constitui impedimento para a aprovação da agenda governamental não possui lastro.

O comportamento legislativo esperado dos representantes eleitos gera desperdício e políticas públicas ineficientes porque os candidatos tentam criar uma reputação pessoal em sua base eleitoral destinando benefícios aos municípios onde são bem votados. No caso do parlamento norte-americano, o objetivo principal do congressista é o de conquistar sua reeleição. Sua produção legal, seu posicionamento em votações nominais em plenário, sua inserção no sistema de comissões, os fatos mais marcantes da vida parlamentar são derivados da busca constante de satisfazer as preferências da maioria que o elegeu em seu distrito. Os representantes possuem informação com razoável grau de confiabilidade acerca das preferências dos votantes que contribuíram para a sua vitória no distrito.

O número de deputados eleitos com os seus próprios votos é ínfimo. A magnitude da transferência dos votos nominais derrotados é avassaladora. A transferência dos votos ocorre não apenas intrapartidos, mas também entrepartidos por conta das alianças e coligações eleitorais. A teoria do voto personalizado não pode funcionar porque os deputados brasileiros não conhecem a sua verdadeira constituency eleitoral. Quanto mais condições de governabilidade tiver o Executivo, mas clara será a sinalização do representante vis-a-vis à sua base. Para o legislador em busca de uma constituency é importante que a fonte, mediante a qual ele emitirá sinais de seu posicionamento junto à base eleitoral, possua condições ótimas de agenda setting. Quanto maior o número de pontos de veto entre as pretensões presidenciais e a realização de seu programa, mais difícil será para o eleitor identificar exatamente qual em suma é a política governamental. Por isso, pode-se afirmar que a transferência de prerrogativas do Legislativo para o Executivo não decorre, como imagina a teoria do voto personalizado, do paroquialismo dos representantes eleitos no contexto do sistema eleitoral proporcional de listas abertas. Ao contrário, o surplus de voto a ser adquirido pelos deputados brasileiros só pode advir da nacionalização de seu comportamento.

Se um presidente é eleito e propõe um programa de governo distante do posicionamento ideológico do legislador mediano, então o Congresso reagirá redefinindo o desenho constitucional de relação entre Poderes, recuperando prerrogativas pertencentes ao Executivo. Se este mesmo presidente decide adequar seu programa cooptando membros da oposição congressual, o valor da sinalização via intermediação presidencial é reduzido. Em ambos os casos, a intermediação presidencial perde valor aumentando o payoff relativo do investimento no distrito.

A decisão dos deputados de participar de coalizões de apoio presidencial dependerá não somente do grau de concordância com seu programa de governo, mas também do acesso a cargos políticos dado por essa cooperação. Dado o multipartidarismo, é irrealista supor que uma coalizão possa se sustentar com base única e exclusivamente na afinidade programática.

A perspectiva do término do período presidencial se torna sério complicador para a manutenção da coalizão de apoio nos últimos anos do mandato do presidente. A patronagem funciona de modo que o presidente ofereça cargos no governo federal para partidos estranhos à coalizão de apoio formal. Isso se dá porque o governo não pode ter certeza de que todos os membros dos partidos da base de coalizão votarão de acordo com o voto do líder da bancada quando o término do mandato se aproxima. Na dúvida se a contagem dos votos levará à aprovação da matéria, o presidente oferece os cargos para garantir mais votos.

A utilização da estratégia da patronagem consiste exatamente na negociação entre o presidente e deputados membros de partidos de oposição em busca de um surplus de apoio parlamentar, um seguro contra a perspectiva de comportamentos indisciplinados em sua base de apoio formal.

O efeito da combinação de presidencialismo, multipartidarismo e voto proporcional personalizado é sempre o mesmo: dificuldade de aprovação de agenda presidencial no Legislativo, por conta da alta fragmentação e baixos índices de coesão partidária. O quadro comparativo preliminar revela que a capacidade do Executivo em ter sua agenda aprovada é consideravelmente maior hoje do que o foi durante o período 1946-1964. Além disso, a coesão e disciplina médias dos partidos são significativamente maiores atualmente. Portanto a teoria do presidencialismo com voto personalizado não é suficiente para conta da mudança verificada. Do ponto de vista institucional, mudaram os recursos de agenda em mãos do Executivo, que pode atualmente pedir de maneira unilateral urgência para a tramitação de seus projetos. Possui, além disso, monopólio sobre a emissão de projetos que fixem efetivo das Forças Armadas e de natureza financeira. Mudanças nas regras que regulam o processo decisório, e não das instituições que formam a pólis, foram determinantes para a alteração no modo pelo qual a interação Executivo-Legislativo funciona. A agenda compartilhada cedeu espaço para uma agenda imposta.

A atual dinâmica legislativa no Brasil deve ser estudada levando-se em consideração a experiência do período 1946-1964. O padrão de coalizão em torno da agenda presidencial foi significativamente diverso nos dois períodos. No primeiro, partidos divididos, coalizões amplas envolvendo parcelas relevantes de partidos oposicionistas. No segundo, um padrão consistente de governo versus oposição, com razoável disciplina por parte da oposição. No âmbito da relação entre líderes e bancadas percebeu-se diferença igualmente importante no que se refere à política de nomeações para as principais comissões da Câmara. A mudança na capacidade alocativa do Congresso foi decisiva para a racionalização do comportamento legislativo. Atualmente se encontra um padrão mais consistente de comportamento partidário, reduzindo substancialmente o poder de barganha de parlamentares tomados individualmente e incentivando que os políticos com aspirações mais ambiciosas permaneçam por mais tempo atuando no Legislativo. Os políticos são sistematicamente atraídos para retornar ao Legislativo. Se a ambição política sinaliza ao político brasileiro que o Congresso não é prioritário, nem por isso este deixa de ser fundamental. A questão é em que grau e que papel a instituição cumpre com relação às finalidades políticas dos agentes.

Marcos Katsumi Kay – N1

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