quinta-feira, 16 de outubro de 2008

ALBUQUERQUE, José Augusto Guilhon. Montesquieu: sociedade e poder.

ALBUQUERQUE, José Augusto Guilhon. Montesquieu: sociedade e poder In: WEFFORT, Francisco C. (org.) Os Clássicos da Política. São Paulo, Editora Ática, 2004, vol. 1.
Estrutura: O conceito de lei. Os três governos. o conceito de lei. Os três governos. Os três poderes.
Resumo:

Sua preocupação central foi a de compreender as razões da decadência das monarquias, os conflitos intensos que minaram sua estabilidade, e também os mecanismos que garantiram, por tantos séculos, sua estabilidade, e que Montesquieu identifica na noção de moderação. A moderação é a pedra de toque do funcionamento estável dos governos, e é preciso encontrar os mecanismos que a produziram nos regimes do passado e do presente para propor um regime ideal para o futuro.

Até Montesquieu, a noção de Lei compreendia três dimensões essencialmente ligadas à idéia de lei de Deus. As leis exprimiam uma certa ordem natural, resultante da vontade de Deus. Elas exprimiam também um dever ser, na medida em que a ordem das coisas estava direcionada para uma finalidade divina. Finalmente, as leis tinham uma conotação de expressão da autoridade. As leis eram simultaneamente legítimas (porque expressão da autoridade), imutáveis (porque dentro da ordem das coisas) e ideais (porque visavam uma finalidade perfeita).

Montesquieu introduz o conceito de lei no início de sua obra fundamental. Definindo lei como "relações necessárias que derivam da natureza das coisas", Montesquieu estabelece uma ponte com as ciências empíricas, e particularmente com a física newtoniana. Com isso, ele rompe com a tradicional submissão da política à teologia. É possível encontrar uniformidades, constâncias na variação dos comportamentos e formas de organizar os homens, assim como é possível encontrá-las nas relações entre os corpos físicos. Tal como é possível estabelecer as leis que regem os corpos físicos a partir das relações entre massa e movimento, também as leis que regem os costumes e as instituições são relações que derivam da natureza das coisas. Com o conceito de lei, Montesquieu traz a política para fora do campo da teologia e da crônica, e a insere num campo propriamente teórico. Estabelece uma regra de imanência que incorpora a teoria política ao campo das ciências: as instituições políticas são regidas por leis que derivam das relações políticas. As leis que regem as instituições políticas, para Montesquieu, são relações entre as diversas classes em que se divide a população, as formas de organização econômica, as formas de distribuição do poder etc.

Mas o objeto de Montesquieu não são as leis que regem as relações entre os homens em geral, mas as leis positivas, isto é, as leis e instituições criadas pelos homens para reger as relações entre os homens. Montesquieu observa que, ao contrário dos outros seres, os homens têm a capacidade de se furtar às leis da razão (que deveriam reger suas relações), e além disso adotam leis escritas e costumes destinados a reger os comportamentos humanos. E têm também a capacidade de furtar-se igualmente às leis e instituições.

Os pensadores políticos que precedem Montesquieu (e Rousseau, que o sucede) são teóricos do Contrato Social (ou do Pacto), estão fundamentalmente preocupados com a natureza do poder político, e tendem a reduzir a questão da estabilidade do poder à sua natureza. Ao romper com o estado de natureza (onde a ameaça de guerra de todos contra todos põe em risco a sobrevivência da humanidade) o pacto que institui o estado de sociedade deve ser tal que garanta a estabilidade contra o risco de anarquia ou de despotismo.

Ele vai considerar duas dimensões do funcionamento político das instituições: a natureza e o princípio de governo. A natureza do governo diz respeito a quem detém o poder: na monarquia, um só governa, através de leis fixas e instituições; na república, governa o povo no todo ou em parte (repúblicas aristocráticas); no despotismo, governa a vontade de um só. As análises minuciosas de Montesquieu sobre as "leis relativas à natureza do governo" deixam claro que se trata de relações entre as instâncias de poder e a forma como o poder se distribui na sociedade, entre os diferentes grupos e classes da população.

O princípio de governo é a paixão que o move, é o modo de funcionamento dos governos, ou seja, como o poder é exercido. São três os princípios, cada um correspondendo em tese a um governo. Em tese, porque, segundo Montesquieu, ele não afirma que "toda república é virtuosa, mas sim que deveria sê-lo" para poder ser estável. Paixão que tem três modalidades: o princípio da monarquia é a honra; o da república é a virtude; e o do despotismo é o medo. A monarquia não precisa da virtude, e mesmo as paixões desonestas da nobreza a favorecem. Nessa curiosa conjunção entre o princípio e a natureza da monarquia fica claro que ela apenas repousa em instituições. É possível agora redefinir com nossas próprias palavras a natureza dos três governos: o despotismo é o governo da paixão; a república é o governo dos homens; a monarquia é o governo das instituições.

O despotismo está condenado à autofagia: ele leva necessariamente à desagregação ou às rebeliões. A república não tem princípio de moderação: ela depende de que os homens mais virtuosos contenham seus próprios apetites e contenham os demais. Na monarquia, são as instituições que contêm os impulsos da autoridade executiva e os apetites dos poderes intermediários. Na monarquia, em outras palavras, o poder está dividido e, portanto, o poder contraria o poder. Essa capacidade de conter o poder, que só outro poder possui, é a chave da moderação dos governos monárquicos.

Para Montesquieu, a república é o regime de um passado em que as cidades reuniam um pequeno grupo de homens moderados pela própria natureza das coisas: uma certa igualdade de riquezas e de costumes ditada pela escassez. Com o desenvolvimento do comércio, o crescimento das populações e o aumento e a diversificação. das riquezas ela se torna inviável: numa sociedade dividida em classes a virtude (cívica) não prospera. O despotismo seria a ameaça do futuro, na medida em que as monarquias européias aboliam os privilégios da nobreza, tornando absoluto o poder do executivo. Apenas a monarquia, isto é, o governo das instituições, seria o regime do presente. Deve ficar claro que Montesquieu não defendia a pura e simples restauração dos privilégios nobiliárquicos. Trata-se de procurar, naquilo que confere estabilidade à monarquia, algo que possa substituir o efeito moderador que resultava do papel da nobreza.

Montesquieu vai à Inglaterra, estuda in loco as bases constitucionais da liberdade. Trata-se de uma análise minuciosa da estrutura bicameral da Parlamento britânico - a Câmara Alta, constituída pela nobreza, e a Câmara dos Comuns, eleita por voto popular - e das funções dos três poderes, executivo, legislativo e judiciário. Na sua versão mais divulgada, a teoria dos poderes é conhecida como a separação dos poderes ou a eqüiputência. De acordo com essa versão, Montesquieu estabeleceria, como condição para o Estado de direito, a separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário e a independência entre eles. A idéia de equivalência consiste em que essas três funções deveriam ser dotadas de igual poder.

Vale ressaltar, entretanto, que seria curioso buscar a separação e independência entre legislativo e executivo justamente no regime britânico. Montesquieu ressalta, aliás, a interpenetração de funções judiciárias, legislativas e executivas. Basta lembrar a prerrogativa de julgamento pelos pares nos casos de crimes políticos para perceber que a separação total não é necessária nem conveniente. A eqüipotência, ou equivalência dos poderes também é refutada implicitamente por Montesquieu, quando afirma que o judiciário é um poder nulo, "os juízes (são)... a boca que pronuncia as palavras da lei".

Montesquieu mostra claramente que há uma imbricação de funções e uma interdependência entre o executivo, o legislativo e o judiciário. A separação de poderes da teoria de Montesquieu teria, portanto, outra significação. Trata-se, dentro dessa ordem de idéias, de assegurar a existência de um poder que seja capaz de contrariar outro poder. Isto é, trata-se de encontrar uma instância independente capaz de moderar o poder do rei (do executivo). É um problema político, de correlação de forças, e não um problema jurídico-administrativo, de organização de funções,

A estabilidade do regime ideal está em que a correlação entre as forças reais da sociedade possa se expressar também nas instituições políticas. Isto é, seria necessário que o funcionamento das instituições permitisse que o poder das forças sociais contrariasse e, portanto, moderasse o poder das demais.

Lida desta forma, a teoria dos poderes de Montesquieu se torna vertiginosamente contemporânea. Ela se inscreve na linha direta das teorias democráticas que apontam a necessidade de arranjos institucionais que impeçam que alguma força política possa a priori prevalecer sobre as demais, reservando-se a capacidade de alterar as regras depois de jogado o jogo político.

Marcos Katsumi Kay - N1

Um comentário:

Alex S. Bachiega disse...

Dessa forma, montesquiel defende a Monarquia parlamentarista, para existir a estabilidade do estado.
Alex S.Bachiega