quarta-feira, 14 de maio de 2008

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico.
Estrutura: Sobre o poder simbólico. 1. O poder simbólico como estruturas estruturantes. 2. O poder simbólico como estruturas estruturadas. 3. As produções simbólicas como instrumentos de dominação. 4. Os sistemas ideológicos que os especialistas produzem para a luta pelo monopólio da produção ideológica legítima sendo instrumentos de dominação estruturantes.
Resumo:

No entanto, num estado do campo em que se vê o poder por toda a parte, como em outros tempos não se queria reconhecê-lo nas situações em que ele entrava pelos olhos dentro, não é inútil lembrar que - sem nunca fazer dele, numa outra maneira de o dissolver, uma espécie de «círculo cujo centro está em toda parte e em parte alguma» - é necessário saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais completamente ignorado, portanto, reconhecido: o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem.

Os sistemas simbólicos, como instrumentos de conhecimento e de comunicação, só podem exercer um poder estruturante porque são estruturados. O poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnoseológica: o sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundo social) supõe aquilo a que Durkheim chama o conformismo lógico, quer dizer, «uma concepção homogênea do tempo, do espaço, do número, da causa, que torna possível a concordância entre as inteligências». Os símbolos são os instrumentos por excelência da «integração social»: enquanto instrumentos de conhecimento e de comunicação. Eles tornam possível o consenso acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a reprodução da ordem social: a integração lógica é condição da integração moral.

É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os «sistemas simbólicos» cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra (violência simbólica) dando o reforço da sua própria força às relações de força que as fundamentam e contribuindo assim, segundo a expressão de Weber para a «domesticação dos dominados».

As diferentes classes e frações de classes estão envolvidas numa luta propriamente simbólica para imporem a definição do mundo social mais conforme aos seus interesses, e imporem o campo das tomadas de posições ideológicas reproduzindo em forma transfigurada o campo das posições sociais. Elas podem conduzir esta luta quer discretamente, nos conflitos simbólicos da vida quotidiana, quer por procuração, por meio da luta travada pelos especialistas da produção simbólica (produtores a tempo inteiro) e na qual está em Jogo o monopólio da violência simbólica legítima, quer dizer, do poder de impor - e mesmo de inculcar - instrumentos de conhecimento e de expressão (taxinomia) arbitrários - embora ignorados como tais - da realidade social. O campo de produção simbólica é um microcosmos da luta simbólica entre as classes: é ao servirem os seus interesses na luta interna do campo de produção (e só nesta medida) que os produtores servem os interesses dos grupos exteriores ao campo de produção.

A classe dominante é o lugar de uma luta pela hierarquia dos princípios de hierarquização: as frações dominantes, cujo poder assenta no capital econômico, têm em vista impor a legitimidade da sua dominação quer por meio da própria produção simbólica, quer por intermédio dos ideólogos conservadores os quais só verdadeiramente servem os interesses dos dominantes por acréscimo, ameaçando sempre desviar em seu proveito o poder de definição do mundo social que detêm por delegação; a fração dominada (letrados ou «intelectuais» e «artistas»; segundo a época) tende sempre a colocar o capital específico a que ela deve a sua posição, no copo da hierarquia dos princípios de hierarquização.

Os «sistemas simbólicos» distinguem-se fundamentalmente conforme sejam produzidos e, ao mesmo tempo, apropriados pelo conjunto do grupo ou, pelo contrário, produzidos por um corpo de especialistas e, mais precisamente, por um campo de produção e de circulação relativamente autônomo: a história da transformação do mito em religião (ideologia) não se pode separar da história da constituição de um corpo de produtores especializados de discursos e de ritos religiosos. As ideologias devem a sua estrutura e as funções mais específicas às condições sociais da sua produção e da sua circulação, quer dizer, às funções que elas cumprem, em primeiro lugar, para os especialistas em concorrência pelo monopólio da competência considerada (religiosa, artística , etc.) e, em segundo lugar e por acréscimo, para os não-especialistas. Ter presente que as ideologias são sempre duplamente determinadas, - que elas devem as suas características mais específicas não só aos interesses das classes ou das frações de classe que elas exprimem, mas também aos interesses específicos daqueles que as produzem e à lógica específica do campo de produção.

O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a seção sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. Isto significa que o poder simbólico reside nos «sistemas simbólicos» em forma de uma «illocutionary force» mas que se define numa relação determinada - e por meio desta - entre os que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos, quer dizer, isto é, na própria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a crença. O que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de a subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja produção não é da competência das palavras.

Marcos Katsumi Kay – N1

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