quarta-feira, 16 de abril de 2008

ELSTER, Jon. Peças e Engrenagens das Ciências Sociais. (capítulos XIII, XV)

ELSTER, Jon. Peças e Engrenagens das Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994 (capítulos XIII, XV).
Estrutura: XIII. Ação coletiva. XV. Instituições sociais.
Resumo:

Suponhamos que cada membro de um grupo tenha a escolha entre empenhar-se numa certa atividade e não se empenhar na mesma. O grupo tem um problema de ação coletiva se for melhor para todos se alguns o fizerem do que se ninguém o fizer, mas melhor para cada um não fazê-lo. Pode ser ou não melhor para todos se todos o fizerem do que se ninguém o fizer. E que todos o façam pode ser ou não o melhor. Cooperar é agir contra o próprio auto-interesse de um modo que beneficie a todos se alguns, ou possivelmente todos, agirem daquela forma.

No mais conhecido problema de ação coletiva é melhor para todos se todos cooperarem. Esta é uma extensão do Dilema do Prisioneiro. Na vida social há inumeráveis exemplos dessa perversa tendência de a racionalidade individual gerar o desastre coletivo: participação em greve, fixação de quota ou preço em cartel, utilização de transporte coletivo, jogar lixo no parque, investir em pesquisa e não copiar.

Em um gráfico, relacionando benefícios vs número de cooperadores, são traçada duas curvas representando o benefício por cooperador e benefício por não-cooperador. A distância entre elas representa o custo da cooperação. O custo constante é uma situação atípica. Pode aumentar: à medida que mais pessoas se juntam a campanhas de rádio que pedem ligações telefônicas, as linhas ficam congestionadas e leva mais tempo para conseguir completá-las. O custo também pode decrescer: à medida que mais pessoas aderem a um movimento revolucionário. Existem os casos em que atos unilaterais de cooperação causam danos a todos. Atos individuais de rebelião podem criar um pretexto para que as autoridades caiam não apenas sobre os rebeldes, mas também sobre os circunstantes. Os últimos cooperadores desfazem parcialmente o trabalho dos anteriores. Em tempo de guerra todos insistam em entrar para o exército, de modo que não fique ninguém trabalhando nas indústrias que são vitais para o esforço de guerra. Pior se todos cooperarem do que se ninguém o fizer. Podemos imaginar que após uma festa haja uma grande quantidade de lixo no gramado, e que todos se precipitem para recolhê-lo, pisoteando o gramado no processo.

Os problemas de ação coletiva surgem porque é difícil conseguir que as pessoas cooperem para seu benefício mútuo. As soluções podem ser centralizadas ou descentralizadas, dependendo de requererem indução e força externamente impostas. Soluções descentralizadas são mais básicas que as centralizadas, uma vez que assegurar a concordância com uma instituição central é em si mesmo um problema de ação coletiva. Quando a cooperação universal é indesejável, é difícil determinar por meio de uma solução descentralizada quem vai cooperar. Nesses casos, uma solução centralizada pode ser necessária.

As soluções descentralizadas podem ocorrer por uma variedade de motivações individuais: auto-interesse, altruísmo, normas sociais ou alguma combinação. Há dois equívocos: acreditar que exista uma motivação privilegiada e acreditar que cada instância da cooperação pode ser explicada por uma única motivação. O auto-interesse poderia parecer uma motivação improvável, uma vez que o problema de ação coletiva é definido em parte, pela cláusula de que não é egoisticamente racional cooperar. Num problema isolado isso é efetivamente verdadeiro, mas por vezes repetidas pode estar em seu auto-interesse cooperar, por esperança de reciprocidade, medo de retaliação ou ambos.

É possível que a maior parte da cooperação seja devida a motivações não-egoísticas de uma espécie ou de outra. Tipicamente, várias motivações coexistem e reforçam umas às outras. Alguns são kantianos: querem fazer aquilo que seria melhor se todos o fizessem. Alguns são utilitaristas: querem promover o bem comum. Alguns são motivados pela norma da eqüidade: eles não querem andar de carona na cooperação dos outros, mas também não querem cooperar quando poucos outros o fazem. Os kantianos poderiam agir como gatilho ou catalisador para o comportamento utilitarista, e os utilitaristas como multiplicador para os kantianos. A reação em cadeia pode continuar em frente até a cooperação universal ou parar antes dela. Quase nada é conhecido sobre a distribuição dessas motivações na população e o modo pelo qual elas interagem para produzir cooperação descentralizada.

Uma instituição apresenta como se fora duas faces. Parece agir, escolher e decidir como se fora um grande indivíduo, mas também é criada e formada por indivíduos. Cada face merece atenção. Embora a última seja mais fundamental, começo com a primeira face, mais familiar. Para esse propósito, uma instituição pode ser definida como um mecanismo de imposição de regras. As regras governam o comportamento de um grupo bem definido de pessoas, por meio de sanções externas, formais. O contraste aqui implicado é com as normas sociais, que impõem regras por meio de sanções externas, informais, e com regras internalizadas.

As instituições nos afetam entre outras, forçando-nos ou induzindo-nos a agir de certas maneiras, forçando-nos a financiar atividades pelas quais não pagaríamos de outro modo, capacitando-nos a fazer coisas que não poderíamos fazer de outro modo, por tomar mais difícil para nós fazer coisas do que seria de outro modo e mudando o contexto das negociações entre partes privadas. Quando as instituições afetam o bem-estar das pessoas, podem deixar todos em melhor situação, deixar alguns em melhor situação à custa de outros ou deixar todos em situação pior. As instituições podem produzir cinco tipos de efeitos. Algumas ações institucionais são puramente eficientes: fazem com que todos fiquem melhor. Alguns são puramente redistributivos: transferem renda sem qualquer desperdício. Outras ações alcançam a redistribuição ao custo de certo desperdício. Outros ainda alcançam a eficiência com prejuízo do objetivo redistributivo. E alguns, finalmente, são puramente destrutivos, deixando todos em situação pior.

Esses efeitos podem ser intencionais ou não-intencionais. Às vezes o objetivo é frustrado porque a instituição não antecipa os efeitos de segunda e terceira ordem de suas ações. Ou a instituição podia não antecipar que os indivíduos se adaptam estrategicamente às suas ações, como sua falha em antecipar a quebra na produção causada por um novo imposto. Outro exemplo da crença ingênua de que indivíduos regulados por uma lei irão continuar a comportar-se como se não fossem regulados.

As instituições podem deixar todos em situação melhor resolvendo problemas de ação coletiva. Um sindicato pode induzir os trabalhadores a aderir e seguir ordens de greve. Para superar a propensão dos cidadãos a pegar carona, o estado pode forçá-los a pagar impostos e usar a renda para produzir bens públicos. Alternativamente, pode forçá-los ou induzi-los a agir cooperativamente. Se uma grande multa é imposta por comportamento não-cooperativo, os cooperadores sempre se sairão melhor que os não-cooperadores. A cooperação é uma estratégia dominante.

Estive dizendo que as instituições "fazem" ou "pretendem", isso ou aquilo, mas falando estritamente, isso é bobagem. Apenas indivíduos podem agir e pretender. Se pensarmos em instituições como indivíduos em grande escala e esquecermos que as instituições são compostas de indivíduos com interesses divergentes, podemos ficar irremediavelmente perdidos. As noções, particularmente, de "vontade popular", o "interesse nacional" e o "planejamento social" devem sua existência a essa confusão.

Uma instituição pode ser dirigida em linhas ditatoriais ou democráticas. No primeiro caso, a instituição tem uma "vontade" e um "interesse", embora, como veremos, possa não ser fácil executá-los. No outro caso, mais interessante, não é claro como a vontade ou o interesse da instituição devem ser definidos. Ora, se há uma alternativa que todos acreditem a melhor, a escolha dessa opção pode plausivelmente ser chamada expressão da vontade popular. Em política, entretanto, a unanimidade é a exceção.

Um indivíduo geralmente sabe o que quer, uma sociedade não sabe. Um indivíduo geralmente pode fazer o que decidiu fazer; a sociedade não pode. Para o indivíduo não há brecha entre a decisão e a execução. Uma instituição, por contraste, deve depender de indivíduos com interesses próprios. As decisões institucionais são facilmente defletidas e distorcidas por comportamento em benefício próprio dos agentes que devem executá-las. Para fazer frente a essas tendências, pode-se colocar a confiança no desenho institucional. Essas soluções tendem a criar seus próprios problemas. Em geral; qualquer mecanismo que seja designado a detectar e agir contra a formação de ferrugem na máquina institucional é por si mesmo sujeito à ferrugem.

É possível que a variação em corrupção entre países possa ser explicada em grande parte pelo grau de espírito público de seus funcionários, não pela inteligência do desenho institucional. A moralidade e as normas sociais parecem contar mais que o auto-interesse esclarecido. Os desejos importam mais que as oportunidades. Em qualquer caso, é óbvio que as instituições não são entidades monolíticas com as quais se possa contar para transmitir e então executar decisões do alto. Falar sobre instituições é apenas falar sobre indivíduos que interagem uns com os outros e com pessoas de fora das instituições. Seja qual for o resultado da interação, ela deve ser explicada em termos dos motivos e oportunidades desses indivíduos.

Marcos Katsumi Kay – N1

Um comentário:

Unknown disse...

Parabéns , muito interessante sua colocação e a analogia que você desenvolveu.