quarta-feira, 2 de abril de 2008

ELSTER, Jon. Peças e Engrenagens das Ciências Sociais. (capítulos I, II, III, IV)

ELSTER, Jon. Peças e Engrenagens das Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994 (capítulos I, II, III, IV).
Estrutura: I. Mecanismos. II. Desejos e oportunidades. III. Escolha Racional. IV. Quando a racionalidade falha.
Resumo:

O autor dá ênfase na explicação por mecanismos, oferece uma caixa de ferramentas de mecanismos que podem ser usados para explicar fenômenos sociais deveras complexos. Proposições que pretendem explicar um evento dever ser cuidadosamente distinguidas de diversos outros tipos de proposições. Primeiro, explicações causais devem ser distinguidas de proposições causais verdadeiras. Citar a causa não é suficiente: o mecanismo causal também deve ser proporcionado, ou ao menos sugerido. Segundo, as explicações causais devem ser distinguidas de afirmações sobre correlação. Às vezes estamos em posição de dizer que um evento de certo tipo é invariavelmente ou usualmente seguido por um evento de outra espécie. Isso não nos permite dizer que eventos do primeiro tipo causam eventos do segundo, porque há outra possibilidade: os dois poderiam ser efeitos comuns de um terceiro evento. Terceiro, explicações causais devem ser distinguidas de afirmações sobre necessitação. Explicar um evento é fazer um relato de por que este aconteceu como aconteceu. O fato de que poderia ter acontecido de alguma outra maneira, e teria acontecido de alguma outra maneira se não tivesse acontecido como aconteceu. Quarto, as explicações causais devem ser distinguidas do contar histórias. Uma explicação genuína dá conta do que aconteceu, como aconteceu. Contar uma história é dar conta do que aconteceu como poderia ter acontecido (e talvez tenha acontecido). Finalmente, explicações genuínas devem ser distinguidas de predições. Às vezes podemos explicar sem sermos capazes de predizer, e às vezes predizer sem sermos capazes de explicar. Vários mecanismos podem levar ao mesmo desenlace, de modo que para propósitos de predição não há necessidade de decidir entre eles; no entanto, para propósitos explicativos o que importa é o mecanismo. Esta é uma razão para enfatizar mecanismos e não leis. Leis, por natureza, são gerais e não sofrem exceções. Não se pode ter uma lei para o efeito de que “se p, então algumas vezes q”. Os mecanismos, por contraste, não tem pretensão à generalidade.

A unidade elementar da vida social é a ação humana individual. Explicar instituições sociais e a mudança é mostrar como elas surgem como resultado da ação e interação de indivíduos. As ações individuais, elas próprias, necessitam de explicação. Um esquema simples de explicar uma ação é vê-la como resultado final de duas operações filtradoras sucessivas: oportunidades e desejos (escolha racional e normas sociais, mas o autor se concentra aqui na primeira), pelo que as pessoas podem fazer e pelo que querem fazer.

Muito da ciência social consiste em variações interminavelmente elaboradas sobre o tema das oportunidades e desejos. O autor busca impor algo de estrutura nessa variedade de práticas. Nem sempre se precisa apelar tanto para oportunidades como para preferências, às vezes a coerção é tão forte que não é deixado espaço para que o segundo filtro opere. Outro aspecto é que as oportunidades são mais básicas que os desejos: são mais fáceis de observar. Se cada lado planeja com base nas capacidades do outro lado e sabe que o outro lado está fazendo o mesmo, suas verdadeiras preferências podem não importar muito. Ainda comumente é mais fácil mudar as circunstâncias e oportunidades das pessoas do que mudar suas opiniões.

Mas os desejos e oportunidades podem tanto variar independentemente como serem influenciados por um terceiro fator ou influenciar diretamente uns aos outros. O terceiro fator pode influenciar ambos no mesmo sentido ou em sentidos opostos. Oportunidades podem influenciar desejos fazendo as pessoas desejarem apenas o que podem conseguir. No mecanismo oposto, o desejo pode expandir o conjunto de oportunidades (o autor não cita exemplos) ou restringir. Ainda neste último, duas razões são citadas: o caso de Ulisses e as sereias ou do exército que, não estando interessado na guerra, avança para forçar o inimigo a negociar e, assim, obter um resultado melhor do que perder terreno.

Falando estritamente, há algo de incongruente em explicar uma ação em termos de oportunidades e desejos. O que explica a ação são os desejos juntamente com suas crenças a respeito das oportunidades. Como as crenças podem estar equivocadas, a distinção não é trivial. A pessoa pode deixar de perceber certas oportunidades ou acreditar que opções não-exeqüíveis são exeqüíveis, o que pode ser um desastre.

Uma ação, para ser racional, deve ser o resultado de três decisões ótimas. Primeiro, deve ser o melhor modo de realizar o desejo de uma pessoa, dadas suas crenças. Depois, essas crenças devem ser elas mesmas ótimas, dadas as evidências disponíveis à pessoa. Finalmente, a pessoa deve reunir uma quantidade ótima de evidência – nem demais nem de menos. Essa quantidade depende tanto de seus desejos – da importância que atribui à decisão – como de suas crenças relativas aos custos e benefícios de reunir mais informação.

A teoria da escolha racional pode falhar através da indeterminação. Em geral há duas formas de indeterminação. Pode haver diversas ações que sejam igual e otimamente boas. Ou pode não haver nenhuma ação que seja ao menos tão boa como todas as demais. Se há várias ações entre as quais nenhuma é melhor, posso ser incapaz de dizer qual delas prefiro e também incapaz de dizer que elas são igualmente boas. Isso é incomensurabilidade, não indiferença. Decisões importantes com freqüência envolvem opções incomensuráveis. O que acontece com freqüência em tais casos é que considerações periféricas se movem para o centro. Em minha ignorância a respeito da primeira casa decimal, se minha vida será melhor como advogado ou engenheiro, eu me volto para a segunda.

As crenças são indeterminadas quando a evidência é insuficiente para justificar um julgamento sobre a probabilidade dos vários resultados da ação. Isso pode acontecer de duas maneiras principais: através da incerteza, especialmente sobre o futuro, e através da interação estratégica. Cada empresa deve investir muito se e apenas se as outras investirem pouco. Não há base aqui para formação de crença racional, e conseqüentemente, não há base firme para a ação.

Quando a escolha racional é indeterminada, algum outro mecanismo deve preencher a brecha. De modo mais geral, não temos uma teoria do que as pessoas fazem quando gostariam de agir racionalmente mas a escolha racional é indeterminada. Uma coisa que fazemos às vezes é negar a indeterminação. Os seres humanos têm um forte desejo de ter razões para o que fazem e acham difícil aceitar a indeterminação. Continuam em frente até que encontram a decisão que teria sido ótima caso encontrada instantânea e gratuitamente, ou decidem na base da segunda casa decimal, práticas que representam uma crença irracional no poder da racionalidade. A primeira tarefa de uma teoria de escolha racional é ser clara sobre seus próprios limites.

Outras causas de falha podem se derivar de crenças irracionais como a tendência a acreditar que os fatos são como a pessoa gostaria que fossem, sem qualquer interferência das paixões como a ignorância sobre princípios elementares de inferência estatística e finalmente nossas vidas podem ir mal porque nossos desejos são irracionais. Parece mais razoável o método de planejamento racional advogado pelo budismo, pelos estóicos e por Espinoza: cultivar deliberadamente o lado bom do que podemos obter e tentar reduzir a intensidade de nosso desejo pelo que não podemos conseguir.

Marcos Katsumi Kay – N1

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