quarta-feira, 9 de abril de 2008

ELSTER, Jon. Peças e Engrenagens das Ciências Sociais. (capítulos X, XII)

ELSTER, Jon. Peças e Engrenagens das Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994 (capítulos X, XII).
Estrutura: X. Conseqüências não-intencionais. XII. Normas sociais.
Resumo:

As coisas nem sempre saem como esperamos que saiam. Muitos eventos ocorrem não-intencionalmente. Como na memorável frase de Adam Ferguson, "A História é o resultado da ação humana, não do desígnio humano". Seu contemporâneo, Adam Smith, referiu-se a uma "mão invisível" que molda os assuntos humanos. O tema das conseqüências não-intencionais da ação foi uma das duas preocupações centrais das ciências sociais emergentes nesse período, sendo a outra a visão da sociedade como uma unidade orgânica. Essas duas imagens ainda estão conosco. Por um lado, há a idéia de ações individuais interferindo uma com a outra para produzir um resultado não pretendido. Por outro lado, há a idéia de ajustamento mútuo entre planos individuais, permitindo que todos sejam desenvolvidos sem distorção.

Das conseqüências não-intencionais que ocorrem, temos um exemplo famoso na teoria econômica da "teia". Se os produtores, esperando um preço, oferecerem mais que consumidores irão comprar por esse preço, a competição entre os produtores irá forçar o preço para baixo até que o mercado se aclare. Se oferecerem menos do que os consumidores irão comprar, a competição entre consumidores irá forçar o mercado para cima até que o mercado se aclare. Os preços e os faturamentos são alternadamente mais altos e mais baixos do que os esperados. O resultado esperado nunca ocorre. Conseqüências não-intencionais mais surpreendentes pioram a situação para todos. Jean-Paul Sartre referiu-se a isso como “contrafinalidade", usando a erosão como exemplo. Mas as conseqüências não-intencionais também podem deixar todos em situação melhor. Essa é a mão invisível de Adam Smith: a perseguição do auto-interesse serve ao interesse comum. Se o efeito secundário é positivo, temos um mecanismo de mão invisível, Se o efeito é negativo, há duas possibilidades. Ou a soma total dos muitos pequenos danos excede o benefício primário (isso é contrafinalidade), ou o benefício primário excede o dano cumulativo. Todos saem beneficiados ao agir do modo especificado, porém; menos beneficiados do que esperavam.

Um antigo enigma na filosofia da explicação social é se as conseqüências não-intencionais podem entrar na explicação da ação ou ações que as causaram. Em um sentido óbvio, não podem. A variação casual com seleção subseqüente é um modo pelo qual isso poderia acontecer. Na vida social, a seleção artificial, e não a natural, é o mecanismo mais plausível. O reforço proporciona outro mecanismo pelo qual as conseqüências não-intencionais poderiam explicar a persistência do comportamento que as causa.

Quando os sociólogos explicam o comportamento por conseqüências não-intencionais, geralmente não têm em mente nem a seleção e nem o reforço. Infelizmente, é difícil dizer o que eles têm em mente. Um exemplo muito discutido é a dança da chuva executada em certas sociedades. Dizer que a função do ritual é manter a coesão social é dizer mais do que dizer que o ritual tem esse efeito. E afirmar que o efeito explica o ritual. Um outro exemplo. Se descobrimos que a maioria das organizações existentes permitem o conflito, a explicação é que as que não o permitem são instáveis e estarão fortemente representadas na população de organizações. O argumento não explicaria por que uma organização qualquer em particular permite o conflito, mas explicaria porque uma maioria delas o faz. E explicaria esse fato em termos de uma conseqüência não-intencional e útil do conflito.

A ação orientada por normas sociais não é orientada por resultados. As normas sociais mais simples são do tipo "faça X" ou “não faça X”. Para que tais normas sejam sociais, elas devem ser compartilhadas por outras pessoas e em parte sustentadas por sua aprovação e desaprovação. Tipicamente são também sustentadas pelas emoções que se desencadeiam quando as normas são violadas: embaraço, culpa e vergonha no violador; raiva e indignação nos observadores. Muitas vezes uma norma para se fazer X é acompanhada por uma norma de nível mais elevado para punir aqueles que violam a norma de primeira ordem.

A caracterização das normas sociais é controversa. Abordarei a questão de se as normas sociais servem a um propósito ulterior, isto é, se em algum sentido são úteis para o indivíduo ou para a sociedade. Quando são, não deveríamos concluir sem maiores argumentações, que elas existem porque servem àquele propósito.

Algumas normas são um pouco como convenções. Outras normas sociais assumem a forma de códigos de honra. Numa rusga entre duas pessoas guiadas pelo código, ambas poderão sair-se pior do que se tivessem concordado em deixar que o sistema legal resolvesse seu conflito. Há normas regulando o que o dinheiro pode comprar. Um importante conjunto de normas diz às pessoas para cooperarem em situações do tipo Dilema do Prisioneiro. As normas para votar são um exemplo importante entre muitos outros. Às vezes as pessoas invocam uma norma social para racionalizar o auto-interesse. O manipulador de normas em perspectiva também é constrangido pela necessidade de ser consistente. Mesmo que a norma não tenha controle sobre sua mente, ele deve agir como se tivesse. Tendo invocado a norma de reciprocidade em uma ocasião, não posso simplesmente ignorá-la quando minha mulher apela para a mesma em outra ocasião.

É tempo de encarar uma objeção óbvia ao meu relato sobre as normas e, em particular, à declaração de que o comportamento guiado por normas não é orientado para resultados. Quando as pessoas obedecem a normas, com freqüência têm um resultado particular em mente: desejam evitar a desaprovação de outras pessoas. O comportamento guiado por normas é apoiado pela ameaça de sanções sociais que torna racional obedecer a normas. Em resposta a esse argumento podemos observar primeiro que normas não necessitam de sanções externas para serem efetivas. Quando as normas são internalizadas, são seguidas mesmo que a violação seja inobservada e não exposta a sanções. A vergonha ou antecipação da mesma é uma sanção interna suficiente.

Precisamos perguntar também por que as pessoas iriam sancionar outras por violarem normas. O que ganham com isso? Uma resposta poderia ser que se elas não exprimirem sua: desaprovação da violação, elas próprias serão o alvo da desaprovação de terceiros. Ora, exprimir desaprovação é sempre caro, seja qual for o comportamento alvo. Como mínimo absoluto, exige energia e atenção que poderiam ser usadas para outros fins. Conseqüentemente, algumas sanções devem ser executadas por motivos diferentes que o medo de ser sancionado.

Mesmo que as conseqüências não sejam parte da motivação próxima do comportamento guiado por normas, elas ainda poderiam entrar na explicação das normas. As normas poderiam existir porque são úteis ou para o indivíduo ou para o grupo que as segue. As regras de etiqueta, normas de como se vestir e semelhantes não parecem ter quaisquer conseqüências úteis. As normas da vingança também são ambíguas a esse respeito. As normas que regulam o papel do dinheiro são igualmente ambíguas. Mas a norma contra ostentar riqueza pode ser apenas um caso especial de urna norma de ordem mais elevada: não tente aparecer. Vamos supor que descobrimos que dada norma deixa a todos em situação melhor do que estariam sem ela. Ainda falta um grande passo até a conclusão de que a norma existe porque faz com que todos fiquem em situação melhor. A não ser que especifiquemos o mecanismo pelo qual os benefícios não-intencionais do comportamento guiado por normas sustêm a norma, essa visão é uma afirmação gratuita. As normas, no meu entender, resultam de propensões psicológicas sobre as quais sabemos pouco. Embora eu pudesse contar uma história ou duas sobre como as normas poderiam ter emergido, nada tenho a dizer sobre como realmente emergiram.

Marcos Katsumi Kay – N1

Nenhum comentário: